Sociedade

Tomé Feteira morreu há 20 anos. O sonho para a Vieira está por cumprir

4 set 2020 11:11

Lúcio Tomé Feteira, industrial de Vieira de Leiria, fez fortuna pelo mundo sem esquecer as suas gentes. O JORNAL DE LEIRIA foi conhecer o homem e o seu legado, 20 anos depois da sua morte

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Lúcio Tomé Feteira
Jornal de Leiria/Arquivo
Daniela Franco Sousa

Quando morreu, em 2000, Lúcio Tomé Feteira deixava uma vida intensa, de quase um século, durante o qual fez fortuna, ficou amigo de reis, de presidentes, e tratou por tu os barões do dinheiro de Wall Street. Mas, volvidas duas décadas após a sua morte, a história do industrial multimilionário está longe de terminar. Não só porque se mantém a disputa pela sua herança, mas também porque a figura do homem empreendedor, sensível e benemérito continua vincada na memória das gentes de Vieira de Leiria, que aguardam a concretização do seu sonho, o nascimento da fundação.

Negócios no estrangeiro com o coração na Vieira

Lúcio Tomé Feteira nasceu em Vieira de Leiria, a 21 de Dezembro de 1902. Com 21 anos, foi para Angola como funcionário superior de finanças. Em 1924, passou para o Congo Belga, onde exerceu cargos de direcção em importantes empresas. Regressado a Portugal, em 1928, trabalhou com os irmãos na Empresa de Limas União Tomé Feteira, herdada do pai, onde tomou balanço para outros negócios, ainda maiores, primeiro em Portugal e depois no outro lado do Atlântico.

Casado com Adelaide Guerra dos Santos, filha do fundador da fábrica de vidros Dâmaso, também de Vieira de Leiria, a Lúcio se devem negócios relevantes neste sector, tais como a fundação da Companhia Industrial de Vidros, em Pombal, ou da Companhia Vidreira Nacional (Covina), no concelho de Loures, que constituiu com a ajuda do sogro. Dotada do mais moderno processo de fabricação de chapa de vidro do mundo, a Covina destacava-se também por assegurar benefícios aos operários, que se estendiam aos trabalhadores inválidos e às viúvas.

Em reconhecimento, o Governo condecorou-o com a Ordem de Mérito Industrial, no grau de Comendador, cujas insígnias lhe foram oferecidas pelo povo da sua terra numa homenagem pública, em 1939.

Mas nos anos 40, ao sentir que o regime de Salazar lhe tolhia os movimentos empreendedores, Lúcio voltou- se para o Brasil, também para a Argentina, Uruguai e Venezuela, onde acabou por ser bem sucedido em ramos tão diferentes como metalurgia, vidro, cimento ou agricultura.

Apesar de grande parte da sua vida se ter desenrolado fora de Portugal, Lúcio nunca deixou de acarinhar a sua terra. “Vinha de férias, ficava na Pensão Clara e eu ia tomar café e conversar com ele”, recorda Paulo Vicente, que era então presidente da Junta de Vieira de Leiria. “Era um homem bem disposto e com memória fresca, apesar dos seus 90 e alguns anos”, refere Paulo Vicente.

Nessa altura, Lúcio gostava particularmente de trocar ideias sobre a Junta, casa que o próprio também chegou a presidir durante os anos 30. Explicava, orgulhoso, que se tinha empenhado muito em devolver à Igreja as suas propriedades, ouro e outros pertences, num período em que estes órgãos estavam a transitar do domínio religioso para a gestão civil.

Não só com a Igreja, mas com outras instituições de cariz social e cultural, Lúcio Tomé Feteira manteve sempre uma relação próxima e de beneficência, acrescenta Paulo Vicente. Apoiou obras na igreja, na biblioteca, e a si se deve a construção do jardim-de-infância. “E ajudou muitos cidadãos anónimos. Alguns porque eram da sua família e outros porque passavam mal”, salienta Paulo Vicente.

É desta figura sensível, pronta a ajudar, que se recorda também Joaquim Tomé Vidal. “O meu avô era primo do Lúcio Tomé Feteira. E numa festa de homenagem, que lhe fizeram na Biblioteca de Instrução Popular de Vieira de Leiria, fui-me apresentar”, conta Joaquim. “Abraçou-me e, de lágrimas nos olhos, disse-me: 'o meu Barradas'”. Era assim que ele tratava o meu avô. Eram primos muito chegados. E ele nunca esquecia a família”, salienta Joaquim.

Nem a família nem as suas gentes: “aquela festa de homenagem aconteceu porque ele tinha muito apego ao rancho folclórico e à biblioteca, a quem pagava uma quota de 100 contos (cerca de 500 euros) por mês”, frisa Joaquim Tomé Vidal. Embora a certa altura tenha ficado magoado com as pessoas da terra, pouco depois do 25 de Abril (porque nessa altura alguns trabalhadores da fábrica de limas terão fechado os donos, irmãos de Lúcio, na casa-de-banho), a forma como ele continuou a ajudar as instituições e suas gentes demonstra que se reconciliou com a Vieira de Leiria, considera Joaquim.

O sonho (adiado) da fundação

Apesar das tardes à conversa sobre a Junta e sobre Vieira de Leiria, Lúcio Tomé Feteira nunca contou a Paulo Vicente que tinha um projecto para a sua terra. Desse sonho só todos ficaram a saber depois da sua morte, aquando da leitura do testamento, onde o industrial disse querer deixar “85% da quota disponível para a criação de uma fundação, com fins sociais e culturais”, a ser construída na Quinta da Carvalheira (entre a vila e a praia da Vieira), sendo que deveria ser a Junta de Freguesia a c uidar dos estatutos e nomear o Conselho de Administração. Família Feteira foi o nome indicado pelo empresário para a futura fundação.

No entanto, constata Paulo Vicente, o desentendimento da família em relação à herança faz com que o sonho do benemérito venha sendo adiando ao longo de 20 anos. “Erguer esta fundação seria uma justa homenagem” ao ilustre industrial, considera Paulo Vicente. Também a moradia de Lúcio Tomé Feteira está em ruínas, sendo que o incêndio que deflagrou na propriedade acelerou o processo de degradação. Mas cabe apenas à família, particularmente à sua filha Olímpia Menezes Feteira, que gere a herança até à data, zelar por aquele imóvel, salienta Paulo Vicente.

Descurada está também a Creche D. Inácia Piedade Sequeira Feteira, edifício projectado por Ernesto e Camilo Korrodi, em 1938, a pedido Lúcio Tomé Feteira, e que recebeu o nome da mãe do empresário. Construído para acolher os filhos dos trabalhadores da Empresa de Limas União Tomé Feteira, o edifício acabou por ficar nas mãos da banca aquando da insolvência da fábric a, explica Joaquim Tomé Vidal. Situado na Rua dos Metalúrgicos, na vila da Vieira, o edifício encontra-se abandonado e em grande estado de degradação.

Conhecedor da vontade do empresário, de que seja criada em Vieira de Leiria uma fundação de cariz soc ial e cultural, Álvaro Cardoso, actual presidente da Junta de Freguesia, lamenta igualmente que o desejo do benemérito ainda não se tenha concretizado, mas reconhece que pouco se pode fazer enquanto não houver decisão quanto às partilhas da herança.

Álvaro Cardoso salienta que o povo da terra guarda do industrial “a memória de um grande empreendedor, com espírito nobre e que ajudou muitas famílias”, nutrindo por ele “consideração e orgulho”.

Para quem se habituou “desde garoto” a ver o senhor Lúcio Tomé Feteira passar pelas ruas da freguesia, como Júlio Dinis, e para quem, como ele, sente “grande admiração” por tanta coisa que o empresário conquistou, é “uma pena, uma tristeza” passar junto à quinta onde o industrial viveu, que está agora desprezada e parcialmente consumida pelo fogo.

“Era uma quinta com moradia, com a casa do caseiro, com piscina, com campos de jogos”, conta Júlio Dinis, de 78 anos, que trabalhou na Empresa de Limas União Tomé Feteira.

O septuagenário lidou com dois irmãos de Lúcio, o Albano e o João, mas reconhece que Lúcio se destacou muito mais. E além de visão, este industrial tinha generosidade. Júlio recorda que o filho de Lúcio tinha problemas de saúde mental, tendo falecido ainda novo. Como forma de agradecer os cuidados prestados ao “Lucito”, Lúcio Tomé Feteira doou uma das suas moradias, situada na Praia da Vieira, à clínica da zona de Torres Vedras que o assistiu, exemplifica Júlio Dinis.

Afrontou Salazar e salvou judeus na II Grande Guerra

Em 1999, numa das últimas entrevistas que terá concedido, Lúcio Tomé Feteira falou a Damião Leonel, então jornalista do JORNAL DE LEIRIA, de como, apesar de ter afrontado S

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