Sociedade

Sacudir a água do capote

19 nov 2015 00:00

"O Mundo Ocidental faz parte do problema, pelo que, por muito que custe, terá que fazer parte da solução."

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Se há objectivos que o Estado Islâmico (EI) tem alcançado com a sua estratégia de recorrer ao que de pior a mente humana (se de humano aquelas cabeças têm alguma coisa) poderia conceber para causar sofrimento, entre eles, além do medo, estão a promoção da demagogia, do populismo e da xenofobia no mundo ocidental.

Em pouco mais de um ano, alguns milhares de bárbaros, que se dizem representantes de uma religião com mais de 1,5 mil milhões de pessoas, conseguiram acentuar exponencialmente a desconfiança que a Al Qaeda tinha despoletado face às populações muçulmanas, dando espaço a que os fundamentalistas do Ocidente ganhem argumentos nas suas lutas contra a multiculturalidade e a convivência interreligiosa.

Hoje, são cada vez mais os que vêem a floresta através de uma única árvore, colocando no mesmo cesto todos quantos rezam a Alá, independentemente da enorme diversidade de pensamentos, opiniões, estilos de vida e formas de estar que possam ter.

O turbante e o véu passaram, para muitos, a ser sinónimo de terrorismo, numa radicalização de pensamento tão estúpida quanto os actos que recriminamos a Oriente, numa postura de segregação perigosa que só poderá “empurrar” mais jovens revoltados para a causa do suposto Califado.

Bem vistas as coisas, no entanto, o grosso das vítimas do Estado islâmico é muçulmana. Entre as populações apanhadas pela guerra no Iraque e na Síria, os habitantes de outros países onde grupos adeptos do EI partilham da mesma cartilha e os muitos milhares que tentam entrar na Europa a fugir do inferno, serão milhões os muçulmanos que viram as suas vidas destroçadas, ou mesmo terminadas, pela loucura do fanatismo religioso. A esses somamse os muitos milhões a viverem no Ocidente, a esmagadora maioria bem integrada, que se vêem agora no desconforto de, no mínimo, serem olhados de lado a todo o momento. O que aconteceu agora em Paris, assim como em Madrid, Nova Iorque ou Londres num passado recente, foi simplesmente horrível, se há alguma palavra que possa adjectivar actos tão cobardes quanto desumanos. Mas não foi nada de muito diferente do que que tem acontecido, pelas mesmas mãos sanguinárias, no Médio Oriente e no Norte de África. A grande diferença é que aconteceu no nosso reduto, vitimou os que nos são próximos, foi mais perto do nosso coração.

O nosso primeiro impulso de defesa poderá ser o de nos fecharmos, criando barreiras a quem procura o nosso abrigo. Muitos serão da opinião de que nada temos a ver com os problemas dos sírios e dos iraquianos, pelo que eles que os resolvam lá longe. É esse o discurso dos mais demagógicos. É o discurso mais fácil e popular. Palavras que esquecem, no entanto, que fomos nós, ocidentais, que fomos lá fomentar o caos. Que o barril de pólvora que agora explodiu foi alimentado durante muitas décadas pelos europeus e pelos americanos. Na maioria das vezes, sob decisões assentes na mesma demagogia com que agora nos tentamos alhear do problema.

O Mundo Ocidental faz parte do problema, pelo que, por muito que custe, terá que fazer parte da solução.