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Ronda quer liderar em Portugal e tem um Pulitzer entre nomes de 40 países

5 mar 2021 10:17

Pela primeira vez em formato internacional, o festival de poesia acontece durante 10 dias, sempre online

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Tyehimba Jess, Pulitzer Prize For Poetry em 2017
Wave Books (wavepoetry.com)

Começou em 2015 por iniciativa do poeta Paulo José Costa, voltou em 2017 e 2019 com a livraria Arquivo na organização e agiganta-se em 2021. “Do ponto de vista do Município”, diz o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes, o Ronda “será, porventura, um dos eventos, se não o evento mais importante, em termos culturais, durante este ano”.

A coordenadora do Ronda, Celeste Afonso, vai mais longe e assume que “o Ronda quer afirmar-se como o festival de poesia de referência em Portugal”. E não vê concorrência no Folio, que ajudou a lançar, em Óbidos, em 2015. “Não há competição”, garante, para explicar que o Ronda se junta ao Folio e ao Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, entre outros, “como mais um grande festival a nível nacional, para que lá fora olhem para Portugal e percebam a qualidade literária e a qualidade do que aqui se faz”.

Durante 10 dias, entre 12 e 21 de Março, mais de 200 convidados de 40 países participam no Ronda, que se realiza exclusivamente online e, pela primeira vez, assume dimensão internacional. Entre eles, diversos autores premiados, incluindo um Pulitzer for Poetry, o norte-americano Tyehimba Jess, vencedor em 2017, mas, também, Arthur Sze (vencedor do National Book Award for Poetry em 2019 e finalista do Pulitzer Prize for Poetry em 2015), Will Harris (finalista em 2020 do T.S. Eliot Prize e vencedor do Forward Prize for Best First Collection), Tara Bergin (finalista do T.S. Eliot Prize e do Forward Prize em 2017), Ida Vitale (Prémio Cervantes em 2018), Yoko Tawada, Gilles Lipovetsky, Anne Michaels, Bejan Matur, Gioconda Belli, Nathalie Handal, Lebo Mashile ou ainda o angolano Ondjaki e os norte-americanos Jack Hirschman (um nome da geração beat) e Reginald Dwayne Betts (que descobriu a vocação na cadeia depois de ser condenado aos 16 anos de idade por carjacking).

Dos portugueses, destaque para José Luís Peixoto, Nuno Júdice, João de Melo, Helder Macedo, José Anjos, Matilde Campilho, Paulo José Miranda ou Ana Luísa Amaral.

Um elenco reunido em tempo recorde, desde Dezembro, para afirmar Leiria como terra de poetas, com génese na produção de D. Dinis, Francisco Rodrigues Lobo ou Afonso Lopes Vieira.

Gonçalo Lopes lembra a “ambição cultural” – que passa pela corrida ao estatuto de Capital Europeia da Cultura em 2027 – e considera que o Ronda, organizado pela Câmara, a Leiria Cidade Criativa da Música UNESCO e a livraria Arquivo, “vai contribuir para tornar a cidade mais conhecida, mais interventiva, no contexto internacional”.

São 65 horas de programação – através das redes sociais e do site leiriapoetryfestival.com – que contemplam debates, entrevistas, apresentações, lançamentos, vídeo-poemas, workshops, performances e acções com o público sénior e num estabelecimento prisional.

Com conversas transmitidas desde diferentes pontos do globo, o Ronda reflecte “a produção cultural contemporânea de vários países” e “uma visão” do planeta na “dimensão poética”, refere a vereadora da cultura, Anabela Graça, que fala de um acontecimento “do mundo para Leiria e de Leiria para o mundo”, capaz de “reencontrar o tom da esperança” num período em que o País se encontra sujeito a confinamento.

Também Celeste Afonso realça a capacidade para derrubar fronteiras. “Numa afirmação babélica”, explica, dezenas de poemas serão apresentados em curdo, alemão, francês, português, espanhol e outros idiomas.

O cruzamento com a música, a dança, o teatro, o cinema, a pintura e as artes multimédia ocorre, por exemplo, com Rita Redshoes a musicar poemas de Francisco Rodrigues Lobo, poeta de Leiria que morreu há 400 anos e é celebrado na cidade em 2021 com um programa autónomo de comemorações, o grupo de teatro Leirena e o cantor Manuel Freire a reinterpretarem a obra de José Saramago e o colectivo Pinhal d'El Rei a apresentar um concerto assente no cancioneiro tradicional português e nas cantigas de D. Dinis.

Ao espreguiçar-se até alcançar outras artes, o Ronda inclui momentos da responsabilidade do compositor Luís Tinoco e dá corpo à estratégia da Leiria Cidade Criativa da Música Unesco, que visa estabelecer pontes interdisciplinares.

Na longa lista de parcerias, nacionais e internacionais, descobrem-se a Fundação José Saramago, o Arte Institute de Nova Iorque, o Ministério da Cultura de Cabo Verde, o Dis Poem Wordz & Agro Festival da Jamaica, o Festival Internacional de Poesia de Medellín na Colômbia e instituições no Brasil, Alemanha e Macau, mas também cidades da Rede das Cidades Criativas Unesco, a que Leiria pertence.

Para João Nazário, em representação da livraria Arquivo, que vai aproveitar o festival para lançar mais uma edição do Prémio de Poesia Francisco Rodrigues Lobo, o Ronda protagoniza em 2021 um “salto de gigante”, contribui para a “formação de públicos” e mostra que Leiria está apostada “em ter na Cultura um dos seus principais pilares para o futuro”, numa época em que o mundo precisa “de um bocadinho mais de poesia”.

Em 2022, o Ronda enfrentará o desafio, se a Covid-19 o permitir, de continuar fora do digital, sem perder o balanço. “É sensato avaliarmos, e a partir dessa avaliação desta edição decidirmos qual é que vai ser o modelo. Agora, que vai continuar, e com formato internacional, é esta a vontade, pelo menos, do Município”, assegura Anabela Graça.

Segundo Celeste Afonso, “a questão financeira não se coloca”, porque os alicerces já existem. “O facto de termos parceiros tão fortes nesta organização, no Ronda deste ano, faz com que tenhamos assegurada a continuidade”, comenta. “Além disso, em termos financeiros, fomos também à procura de um parceiro, de um mecenas. Assumiu-se para este ano, como mecenas, a Respol, mas é nossa preocupação, mais do que a questão financeira, o envolvimento de toda a sociedade civil, e o envolvimento das empresas na cultura é uma estratégia de Leiria”.

Com o Ronda nasce, entretanto, uma nova revista, a Acanto, que Paulo José Costa imagina desde a primeira hora. O festival pretende “provar que a poesia não é para nichos e que é para toda a gente”. E, num ano de pandemia, pode funcionar como antídoto para emoções negativas, acredita o poeta e assistente de Psicologia no Centro Hospitalar de Leiria. “A dimensão salvífica da poesia” vai manifestar-se e demonstrar que é “um ingrediente essencial à nossa sobrevivência”, disse, na conferência de imprensa realizada online na segunda-feira, dia 1, em que leu um poema inédito.