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A revolta do batalhão de Leiria

19 abr 2018 00:00

Centenário | A batalha de La Lys foi “o maior desastre militar português após Alcácer-Quibir”, de 1578. Mas sabia que o Batalhão de Infantaria 7 (BI7), de Leiria, foi poupado ao confronto, porque cometeu um acto de rebeldia?

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Jacinto Silva Duro

Embora tenha sofrido muitas baixas no ano e meio que passou em campanha, o Batalhão de Infantaria 7 (BI7), de Leiria, não combateu em La Lys - 7 a 29 de Abril de 1918 - , devido a um episódio menos conhecido da participação nacional na Grande Guerra. Era sua vez de render as tropas do CEP, que ocupavam as trincheiras do front – frente de combate - no vale da ribeira de La Lys, mas uma revolta do BI7 contra as condições no terreno valeu-lhe um castigo exemplar.

“À semelhança de outros batalhões, este recusou-se a ir para a frente, dias antes da batalha”, conta Carlos Fernandes, da Textiverso. A editora de Leiria relata, no próximo número especial dos Cadernos de Estudos Leirienses, os números, histórias de que se fez aquela História e muitos outros episódios do conflito mundial.

O 16.º volume da colecção será dedicado, inteiramente, à Grande Guerra e ao seu impacto no distrito de Leiria. Não foi a primeira vez que o BI7 se insubordinou contra ordens que considerava injustas e contra a má preparação e equipamentos do CEP.

Durante meses, os soldados, esfomeados, com frio, doentes, com medo e quase sem direito a licenças, viam os superiores, literalmente, a desertar, deixando-os entregues à sua sorte

Em Janeiro de 1917, ainda em Leiria, as tropas tentaram dificultar o embarque no comboio que os iria levar até Lisboa e, já no cais marítimo de Alcântara, voltaram a dificultar a entrada nos navios britânicos que os haveriam de levar até à Flandres. Foram os oficiais que conseguiram controlar e ultrapassar ambas as situações.

Não se julgue, contudo, que o comportamento do BI7 foi caso único durante a campanha das trincheiras. As condições físicas e psicológicas das tropas tornavam inevitável que a insubordinação acontecesse e, um dos factores que contribuiu para a desmoralização e para os motins no CEP, foram as licenças dos oficiais que, aproveitando a ida a Portugal, demoravam-se e já não voltavam para junto das suas tropas.

Durante meses, os soldados, esfomeados, com frio, doentes, com medo e quase sem direito a licenças, viam os superiores, literalmente, a desertar, deixando-os entregues à sua sorte.

De Portugal, não chegavam transportes para os levar de volta, nem com tropas para os render, uma vez que a população e a maior parte dos políticos, após ano e meio de guerra, estavam contra a continuação do País na guerra.

Como escreveria, anos mais tarde, o jornalista e comentarista Augusto Casimiro nos seus livros Calvário da Flandres (1918) e Sidónio Pais: Algumas notas sobre a intervenção de Portugal na Grande Guerra (1918), a falta de oficiais, que haviam partido em licença "prolongada", colocou o comando das unidades, de forma interina, nas mãos de capitães, tenentes e alferes milicianos, em vez de oficiais superiores.

“Os soldados estavam convictos que de Portugal não vinham oficiais e soldados porque o Governo não queria. Sentiam-se abandonados e exilados na Flandres. Por cada canto do front até à linha das aldeias corriam expressões como: ‘Portugal, rapazes, declarou a guerra à Alemanha mais ao CEP’ e ‘a Alemanha declarou guerra a Portugal inteiro e não apenas ao CEP’”, escreve Casimiro.

Para piorar, o Inverno de 17-18 fora muito rigoroso e espoletou o aumento da intensidade dos ataques alemães. Para agudizar a situação, ao Corpo Expedicionário Português chegavam ecos das revoltas e motins que aconteciam nos exércitos inglês e francês.

A revolta do batalhão de Leiria
Baseado em Ferme du Bois, França, a 4 de Abril de 1918, o CEP viveu a mais grave situação de indisciplina no seu seio. Os praças do Batalhão de Infantaria n.º 24, de Aveiro, recusaram deslocar-se para a frente.

Só depois de um castigo colectivo, as tropas partiram para a primeira linha, mas, ao final do dia, quando a 2.ª Brigada substituía a 3.ª na linha da frente, o Batalhão de Infantaria n.º 7, de Leiria, recusou-se a avançar e até abriu fogo, instigando alguns praças do Batalhão de Infantaria n.º 23, de Coimbra, a juntar-se.

Perante isto, o general Fernando Tamagnni de Abreu e Silva, comandante do CEP, revogou a ordem de rendição da 3.º Brigada e serenou os ânimos. Mas, na manhã seguinte, a caminho do acantonamento, o BI7 voltou a revoltar-se e, desta vez, fugiu e entrincheirou- se em Bouzigham, uma localidade próxima.

Os revoltosos acabariam cercados pelos batalhões de Infantaria 21 e 22. Fernando Tamagnni de Abreu e Silva chegou a solicitar peças de artilharia ao ingleses para punir os revoltosos, mas antes de estas chegarem às suas mãos, os 500 militares, entre praças e oficiais, renderam- -se ao CEP.

Foi a quarta vez que os soldados do batalhão de Leiria se revoltaram contra ordens superiores. Foi o fim do BI7, na Flandres. “Os praças foram distribuídos por outras unidades e ainda tiveram um papel importante em várias ofensivas contra os alemães, antes do Armistício de 11 de Novembro desse ano”, explica Carlos Fernandes.

Após La Lys, o CEP foi retirado da frente de combate e colocado debaixo do comando britânico, relegado para operações de segunda linha.

Portugueses heróis ou cobardes?
Na história das nações, é raro um país celebrar uma derrota que destrói um corpo militar. Mas La Lys é isso mesmo. As forças portuguesas foram cilindradas pelas alemãs e forçadas a recuar no terreno.

Durante anos, o discurso oficial foi que as trincheiras de La Lys foram férteis em histórias heróicas de sofrimento e obstinação, perante um inimigo superior. Com o passar das décadas, porém, o horror e as condições sub-humanas que os combatentes de ambos os lados viveram, numa guerra onde as máquinas e as técnicas de morte alcançaram requintes de produção industrial em massa, vão sendo revelados.

No aniversário do centenário, alguns meios de comunicação nacionais noticiaram que os antigos aliados dos portugueses, os ingleses, desvalorizavam o esforço dos soldados lusos, acusando-os de desertar, quando milhares de soldados alemães avançaram contra eles, numa barragem de ferro e fogo.

Mas, se isso é verdade, como explicar o relato do batalhão escocês que, após o CEP ter sustido o impacto inicial alemão, agradece aos portugueses por terem aguentado os germânicos, dando tempo para reagrupar e lhes fazer frente?

Muitas dúvidas mantém-se vivas e poucas recebem respostas definitivas, mas o que ficou para a história foi o horror e o medo, vividos pelos jovens portugueses, alguns deles com pouco mais de 18 anos, nas trincheiras da Flandres.

Distrito enviou 3300 militares para as trincheiras
No ano em meio em que Portugal participou na Grande Guerra, o distrito de Leiria enviou 3300 militares para a frente de combate, na Flandres, entre praças, sargentos e oficiais, tendo sofrido 118 baixas. Destas, 72 foram em combate, as restantes outros motivos, onde se incluem acidentes rodoviários e manuseio de armamento.

O concelho da Marinha Grande enviou 117 militares para França. De Leiria, partiram 726 e, destes, 22, de um total de 28 baixas, sucumbiram nas trincheiras, vítimas do gás, das baionetas, balas, bombas, balas e artilharia.

As famílias de Alcobaça também foram atingidas pela dor e pelo luto. De um contingente de 521 militares, 19 jamais regressariam a terras de Cister.

Pombal, enviou 451 soldados e registou quatro baixas e de Caldas da Rainha partiram 235 jovens, tendo oito morrido em combate contra as forças alemãs.

O número de prisioneiros em mãos germânicas não é consensual, mas ter&aa

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