Sociedade

Receios dos pais travam autonomia das crianças

30 mai 2019 00:00

A maioria das crianças portuguesas vai para a escola de carro, acompanhadas pelos pais. O medo, sobretudo dos acidentes rodoviários, e algum comodismo dos pais, impede os jovens de saírem mais vezes à rua sozinhos

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O trânsito excessivo ou o reduzido número de passeios e passadeiras são alguns dos motivos apontados por crianças dos 6 aos 11 anos para justificar por que razão não vão a pé no percurso entre casa e escola.

Os resultados são de um estudo da arquitecta paisagista Andreia Ramos, para a sua tese de mestrado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e têm por base um trabalho feito num agrupamento de escolas de Gondomar.

De acordo com o trabalho de investigação, noticiado pelo jornal Público em 2018, menos de um quarto (24%) dos estudantes vai a pé ou de bicicleta para a escola. Os restantes alunos usam meios de transporte motorizados, sendo que 50% do total o fazem no automóvel particular da família ou de amigos.

Estes dados confirmam o estudo Children’s Independent Mobility in Portugal 2011/2012, realizado por Carlos Neto, Frederico Lopes e Rita Cordovil, da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.

Esta investigação comparou a mobilidade dos jovens de escolas primárias e do secundário e concluiu que os mais velhos desfrutam de uma maior autonomia. A permissão para andarem sozinhos vai aumentado à medida que as crianças crescem.

“Em Portugal, verificamos que a idade é a grande influência no nível de mobilidade independente das crianças. Conforme as crianças crescem, o número de permissões concedidas pelos pais aumenta. Na nossa amostra, a média de idade que os pais mencionam para permitir que as crianças venham sozinhas para casa é de cerca de 11,5 anos”, refere o estudo.

A maioria dos pais está muito preocupada com o risco de a criança sofrer um acidente e ser atropelada. Por isso, a maioria dos alunos faz as viagens entre a casa e a escola de carro com os pais. O uso do carro revela “uma mudança geracional” do caminhar para o conduzir, “uma vez que a grande maioria dos pais refere que quando tinham 8 ou 9 anos iam a pé para a escola”.

Aliás, no tempo dos pais, a idade para começarem a andar sozinhos era à volta dos 9 anos e a amostra da investigação revela que os pais só permitem alguma autonomia a partir dos 12 anos.

Carla Silva vive nos Capuchos. A filha de 11 anos estuda no Colégio Nossa Senhora de Fátima, a cerca de cinco minutos a pé de casa, mas nunca faz o percurso sozinha.

“Ela não quer, sente que ainda não está preparada. Eu também tenho algum receio por causa do trânsito. Como ela não tem telemóvel fico mais tranquila em que seja eu, o pai ou os irmãos a levá-la ou buscá-la.”

Esta mãe considera que “ainda não é dramático” não andar sozinha. “Como ela não mostra segurança também não a quero forçar, até porque não há necessidade disso, porque há sempre alguém que a pode ir buscar e levar.”

Embora um pouco mais nova, a filha de Melanie Dinis também ainda segue para a escola de carro com um dos pais. “Na nossa cabeça nunca esteve que ela fosse a pé até ao 4.º ano. Começámos a dar alguns passos para ir adquirindo alguma autonomia e depois ser mais fácil no 2.º ciclo. Mas nem nós, nem a Maria, estamos preparados para que vá a pé para a escola sozinha.”

Esta mãe aponta também a questão logística da família. “É mais fácil ir de carro, deixá-la na escola e seguir para o trabalho. No 2.º ciclo poderá começar a vir para casa sozinha.”

Para Melanie Dinis, “os medos hoje estão mais presentes”, o que “não quer dizer que existam mais perigos”.

Os colegas da Maria chegam pelo mesmo meio de transporte. “Só os meninos que vivem em frente à escola é que vão sozinhos. E nem sei como é que as pessoas reagiriam ao ver chegar uma criança do 2.º ano sozinha.”

Esta mãe admite que é preciso não exagerar na protecção, porque “pode comprometer toda a autonomia”. Confessando que ia a pé com os amigos, conta: “que bom que era ir na conversa todo o caminho com os colegas”. Esse é um ganho.

“No índice de mobilidade da infância estamos na cauda da Europa. Há medo dos pais, mas os perigos estão na sua cabeça.” A afirmação é de Carlos Neto, professor catedrático na Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.

O também investigador na área do desenvolvimento das crianças sublinha que “há um alarme social, que vem sendo construído ao longo das últ

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