Viver

“Quero transportar os meus desenhos para as paredes”

22 mai 2016 00:00

Tenório (Diogo Monteiro),ilustrador

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Jacinto Silva Duro

O que é um Tenório, o pseudónimo com que assina o seu trabalho criativo?
É uma personagem. Foi o modo que criei de arranjar outra personalidade para utilizar em trabalhos mais ligados à ilustração e desenho.

Penso que foi uma maneira de descartar as responsabilidades “para o Tenório”. Tive a necessidade de me refugiar um pouco e de não usar o meu nome. Se calhar, daqui a uns tempos, criarei outros personagens para assinar os trabalhos.

O Tenório apareceu em Lisboa, em 2012. Com uns colegas com quem morava tínhamos uma lista de nomes afixada na porta do frigorífico. Sempre que nos lembrávamos de algum, íamos lá inscrevê-lo. No fim, olhei para a lista e achei que “Tenório” tinha qualquer coisa que me agradava, por ser caricato e se identificar com o meu trabalho. É um nome que tem piada. 

Já desenhava antes do Tenório…
As primeiras vezes que me lembro de desenhar aconteceram com o meu pai. Ele desenhava casas e moldes e, quando eu não tinha aulas, levava-me para o escritório, dava-me umas folhas e eu tentava imitar os desenhos de perspectivas dele.

Lembro-me de estar sentado, com as canetas do meu pai ao lado, a tentar desenhar casas em três dimensões. Na escola, sempre me interessei muito por arte urbana, pelos graffiti e pela forma como podem ser apresentados. Sempre me fascinou poder criar uma peça de arte e colocá-la num local onde toda a gente pode vêla livremente. 

No dia 28 de Maio, em conjunto com Patrícia Martins, vai lançar, na Arquivo Livraria, em Leiria, o livro Deu-me o Nome Liberdade o Avô Agostinho da Silva, para o qual contribuiu com os desenhos.
Tudo começou com o texto da Patrícia. Ela já andava há algum tempo a abordar o tema de Agostinho da Silva, em oficinas criativas com miúdos e, um dia, precisou de uma ilustração de um gato e veio pedir ao Tenório uma ajuda.

Eu fiz o gato e, passado algum tempo, a Patrícia voltou a contactar-me para me dizer que iria levar para a frente a ideia do livro. Perguntou-me se quereria colaborar e fazer o projecto com ela.

Aceitei. Interesso-me muito por ilustração infantil e gostava de criar um livro desses. Foi um trabalho diferente. No meu processo de criação, por vezes, estou num café, lembro-me ou vejo algo, tiro o meu caderninho do bolso e vou escrevendo ou desenhando.

Quando quero fazer uma tela ou algo mais livre, vou buscá-lo e tiro “ideias” das ideias que lá escrevi com experiências com colagens e outras coisas. Em casa, tenho gavetinhas com recortes que vou guardando para utilizar mais tarde.

De um lado tenho letras, de outro tenho recortes azuis ou amarelos. Mas com este livro não foi assim. Devido à Patrícia, fiquei com vontade de perceber quem tinha sido aquele homem, Agostinho da Silva. Comecei a pesquisar e descobri que me identificava muito com a sua maneira de pensar. 

A filosofia “vadia”?
Sim. Interessam-me muito os ideais e o que ele valorizava no seu pensamento. A partir daí, fiz um trabalho de pesquisa para perceber quais eram os seus hábitos: como se vestia, como era o seu habitat, como mantinha o seu escritório.

Muitas das imagens que aparecem no livro, são baseadas nesses ambientes. No início do livro, por exemplo, o gato – que também é vadio - vagueia pelo escritório e conta a história.

Tentei retratar os elementos que existiam nesse espaço. Fiz muitas colagens de recortes para essas ilustrações. Senti que essa linguagem, com uma certa desordem, sem ser um desenho “muito limpinho” e com um certo ruído, se enquadrava bem com Agostinho da Silva que era uma pessoa que não perdia muito tempo a pensar em questões estéticas, ao ponto de, por vezes, o confundirem com um mendigo.

Agora que terminou este que é o seu primeiro livro, que novos desafios abraçou?
Estou a dedicar-me à pintura mural. Quero explorar mais isso. No Verão do ano passado, com o Ricardo Romero, fiz um mural no Museum Festum, em Monte Redondo (Leiria) e agora estou a ajudar a pintar mais um mural na sede do Agrupamento de Escolas de Marrazes (Leiria) e vou pintar uma fachada no Festival A Porta. Quero começar a transportar os meus desenhos para as paredes e dar-lhes outra escala. 

Arquitectura
Uma arte que não pode funcionar só pela beleza

Diogo Monteiro é o ilustrador Tenório. Com 27 anos, natural de Pisões, Pataias (Alcobaça), com mestrado em arquitectura e a fazer estagiário em Almancil, no Algarve, está envolvido em projectos que serão construídos no Kuwait, diz que a arquitectura não permite tanta liberdade como o desenho.

“É uma arte que não pode funcionar só pela beleza, têm de se criar ambientes, mas há outras coisas a pensar antes. A arquitectura fascina-me mas é por outros motivos. Sei que servirá para um conjunto de pessoas e tem de funcionar naquele sítio.

Há essa preocupação com a parte social, com a pessoa e com o território.” Fez o secundário na escola Calazans Duarte, na Marinha Grande, de onde partiu para a licenciatura em Évora.

Concluiu o mestrado no ano passado com uma dissertação sobre métodos de construção tradicionais. “Adoro olhar para as construções de norte a sul e perceber como as populações utilizaram os materiais disponíveis na natureza, para ter conforto nas suas habitações, e como esse conhecimento foi aprimorado ao longo de gerações.” Para conhecer o Tenório: facebook.com/olatenorio.

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