Missão Ucrânia

Quase 120 pessoas já cederam alojamento para refugiados na região

25 mar 2022 10:16

Maryna, Daniel e o filho Yaroslav vêm da castigada Irpin e em São Pedro de Moel encontraram um porto seguro, uma casa totalmente equipada, cedida por uma família portuguesa

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Yaroslav aos ombros do pai no novo parque de brincadeiras, o Bambi, em São Pedro de Moel, onde Daniel e Maryna foram acolhidos por Catarina e João
Ricardo Graça

São anos e anos a acumular memórias e agora há um novo momento, seguramente inesquecível. A casa de férias dos Grosso Rodrigues em São Pedro de Moel abre-se para acolher Maryna, Daniel e o filho de três anos e meio, Yaroslav, que fogem da Ucrânia em chamas.

Torna- se abrigo não subterrâneo, zona de exclusão aérea, corredor humanitário para a família proveniente de Irpin, uma das cidades mais castigadas pela ofensiva russa.

Como não imaginar que Maryna, Daniel e Yaroslav chegam do inferno ao paraíso? “Quando viram no terraço o mar e olharam para o vale à frente deles... e estava um dia lindo, um dia de sol”, recorda Catarina Grosso, que disponibilizou o imóvel na plataforma SOS Ucrânia criada pela Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL). “Achei que o alojamento seria a forma de eu poder ajudar, porque queria contribuir de algum modo. Lembrei- me da casa de São Pedro, é uma casa que está desocupada quase todo o ano e é uma casa óptima num sítio óptimo. E achei que para quem vinha de um cenário tão difícil e tão desumano, seria paz e seria um sítio bom para estar até pensarem como vão viver a vida daqui para a frente”.

Segundo Paulo Batista Santos, primeiro secretário executivo da CIMRL, cerca de 120 pessoas residentes em Leiria, Marinha Grande, Batalha e noutros concelhos do distrito já submeteram na plataforma SOS Ucrânia – Região de Leiria, através de um formulário online que se preenche em menos de um minuto, alojamento suficiente para 380 refugiados, que não conhecem, mas querem amparar na chegada a Portugal.

Maryna e Daniel encontraram em São Pedro de Moel uma moradia de praia totalmente equipada, com o frigorífico repleto e brinquedos para Yaroslav, que lhes é entregue “para poderem estar nela como se fosse deles”, em segurança.

"Se eu estivesse numa situação destas, como seria?”, pergunta Catarina Grosso, psicoterapeuta e psicóloga clínica. Depois de semanas em fuga, é urgente “tempo para se reorganizarem internamente e não terem de estar preocupados em cumprir determinados papéis que são exigidos quando estão a partilhar casa com alguém”. Ou seja, tempo para “estarem como são e como sentem que precisam”.

Em São Pedro de Moel desde sábado, 19 de Março, vêem o oceano pela primeira vez e sentem “uma sorte estranha” e “irreal”, diz Maryna Subbotin ao JORNAL DE LEIRIA. “Agradecemos à câmara municipal e a todos os voluntários”. Têm carro, algum dinheiro para recomeçar, mas o que construíram em Irpin já não existe. “Esperamos uma nova vida, depois de tudo o que perdemos”.

Pais e irmãos permanecem na terra mãe, expostos ao furor inimigo. “Os nossos familiares dizem-nos: que pelo menos uma família da nossa grande família possa estar segura”. E eles encaram a responsabilidade. “Percebemos que somos o futuro dos nossos familiares e temos de continuar, não podemos estar em depressão, temos de conseguir um novo trabalho, temos de construir, é a primeira coisa que temos de fazer. Somos jovens, podemos”.

Daniel é programador informático, Maryna fala inglês e mandarim e vê-se a trabalhar numa escola ou como tradutora. Saíram da Ucrânia no dia 22 de Fevereiro, por já preverem (e temerem) a repetição dos acontecimentos de 2014, quando viviam em Lugansk. Fugiram para a Roménia, onde ajudaram outros refugiados a atravessar a fronteira. E a sucessão de bombardeamentos trouxe-os até Portugal, um país historicamente neutro. E a Leiria, um ponto no mapa, aleatório, a possibilidade de refúgio.

“Se a guerra terminar, vamos voltar e reconstruir a nossa casa”, diz Maryna. “Queremos ser úteis em Portugal enquanto estamos cá. Depois queremos ser úteis para o nosso país”.

Distrito com mais de mil pedidos
 
O distrito de Leiria ocupa o quinto lugar nos pedidos de protecção temporária de refugiados da Ucrânia. Segundo revelou Gonçalo Lopes, presidente da Câmara de Leiria, até ao dia 20 de Março, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tinha registado 1.111 autorizações da região, das 15.614 que deram entrada a nível nacional até à data. Na última reunião de executivo, o autarca disse ainda que o concelho de Leiria é “a terceira capital de distrito, a seguir a Lisboa e Porto”, com 368 pedidos.
 
EC