Sociedade

Pedrógão Grande: Ex-ministra convencida de que era impossível combater incêndios

19 abr 2022 14:27

Constança Urbano de Sousa afirmou não ser possível antecipar acções num incêndio anormal

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Ex-ministra foi arrolada testemunha pelo arguido Augusto Arnaut
Redacção/Agência Lusa

A ex-ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa disse hoje, no julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, estar convencida de que era impossível o combate, considerando que aqueles foram de “enorme excepcionalidade”.

“Estou convencida de que era impossível ter combatido este fogo, independentemente do número de meios”, afirmou, no Tribunal Judicial de Leiria, Constança Urbano de Sousa, que se demitiu em 18 de Outubro de 2017, na sequência dos incêndios naquele ano (Junho em Pedrógão Grande e Outubro na região Centro), que provocaram mais de uma centena de mortos.

A antiga governante reiterou que “para aquele tipo de incêndios era absolutamente indiferente a quantidade de meios”.

Arrolada pela defesa do comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, um dos 11 arguidos em julgamento, a testemunha começou por dizer que se tratou de um incêndio de “enorme excepcionalidade”.

“Lembro que na altura bastou ver as fotografias de satélite para perceber que o incêndio de Pedrógão Grande não foi um incêndio normal”, referiu.

Confrontada, por várias ocasiões, pela advogada Filomena Girão, mandatária de Augusto Arnaut, sobre os meios disponíveis para o combate aos incêndios, a testemunha assinalou que “para um evento destas dimensões eram sempre insuficientes”.

“Eram meios suficientes se não tivessem ocorrido fenómenos tão extremos e inesperados”, frisou Constança Urbano de Sousa, para sublinhar que, “mesmo se o dispositivo fosse maior”, seria necessário “poder de adivinhação” para pré-posicionar meios.

Por outro lado, a ex-ministra sustentou que “quando um fogo tem uma evolução normal, é possível antecipar e retirar populações”.

“Quando tem um comportamento explosivo, com o carácter de simultaneidade, acho que seria praticamente impossível, mesmo que existissem muitos mais [elementos das forças de segurança]”, declarou.

A antiga governante reconheceu também a existência de constrangimentos do ministério para aquisição de meios, que “não eram só de carácter orçamental, mas também legal”, explicando que implicam concursos internacionais, além de que havia decisões que estavam fora da alçada daquele.

À pergunta se o comandante Augusto Arnaut, “com os meios que tinha disponíveis podia ter feito mais”, a ex-ministra respondeu: “Na minha sincera opinião, o comandante Arnaut, mesmo que tivesse o triplo, o quádruplo (…) dos meios, não teria essa possibilidade”.

Questionada pelo advogado André Batoca, depois de ter assumido a impossibilidade de combater o incêndio de Pedrógão Grande porque é que foram mobilizados meios para o fogo de Góis e não para Pedrógão, dado que estava no “topo da hierarquia”, Constança Urbano de Sousa declarou: “Enquanto ministra não tenho capacidade nem competência para mobilizar meios, isso é competência da ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil]”.

Já a perguntas da juíza que preside ao julgamento, Maria Clara Santos, a testemunha esclareceu que o sistema de alertas da ANEPC via SMS para a população não existia à data daqueles incêndios e reconheceu a existência de falhas de comunicações em Pedrógão Grande, “nomeadamente a rede Siresp [Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal]”.

“Foi óbvio e notório”, salientou, precisando que a sua impressão é que a evolução do incêndio de Pedrógão Grande - “passou do 0 ao 80 em muito pouco tempo” - “foi tão rápida e tão exponencial que seria impossível extinguir independentemente dos meios”.

Antes, assumiu que como ministra da Administração Interna “tutelava muitos serviços”, sendo que a Protecção Civil foi delegada no respectivo secretário de Estado.

Hoje de manhã testemunharam mais duas pessoas, prosseguindo o julgamento à tarde.

Em causa estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.

Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (actual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respectivamente.

O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.