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Paulo Kellerman, escritor: "este é o meu livro mais incisivo, mais duro e mais doloroso"

4 nov 2016 00:00

"A perda de um filho é das coisas mais difíceis de encarar. Por que razão alguém há-de querer ler sobre isto? Por que razão uma mãe há-de querer ler sobre uma mulher que está a perder a filha? Não é uma leitura que distraia ou seja de praia."

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Jacinto Silva Duro

Serviços Mínimos de Felicidade é o seu novo livro, que será apresentado na Arquivo Livraria, no dia 12 de Novembro. Depois dos contos e da mini-ficção, dá, finalmente, o salto para o romance. Foi para marcar as duas décadas de actividade literária?
Havia a ideia de marcar este aniversário... de a assinalar de alguma forma e a melhor maneira seria com um livro novo. Há já algum tempo que tinha a ideia de fazer algo com a Arquivo Livraria, que é um sítio especial para mim, e esta vai ser uma edição Arquivo. Já há algum tempo que falava com a Alexandra Vieira, a proprietária da livraria, para fazermos alguma coisa. Numa conversa com ela acerca dos 20 anos, ela disse: 'gostávamos de nos associar a isso'. A primeira ideia era fazer um novo livro de contos. Cheguei a equacionar a publicação de uma antologia, onde cada um dos contos tinha sido escrito em cada um dos anos, a começar em 1996. Isso permitiria aos leitores perceberam a minha evolução. Por fim, lembrei-me do romance. É algo que nunca tinha feito, seria sair da zona de conforto e correr riscos. Já tinha pré-escrito um projecto antigo, de 2012, que tinha, entretanto, abandonado.

Estava guardado na "gaveta do Paulo".
Sim, estava. Não na Gaveta do Paulo virtual, que é o meu blogue, mas numa gaveta fechada e secreta. Na época, dediquei- me bastante, mas depois abandonei-o. Porém, de repente, apeteceu-me pegar naquela coisa nova, sair da zona de segurança e não estar a repetir fórmulas. Apresentei a proposta à Alexandra e ela gostou. O que fiz foi pegar no que tinha escrito, cortar muito, reescrever bastante, acrescentar mais algumas coisas e publicar. Agora estou fora da zona de conforto e segurança e pronto para tudo.

Como se sente agora sem linha de segurança?
É um regresso ao início. Tem piada acontecer no momento em que se assinalam 20 anos de escrita. Foi em Abril de 1996 que publiquei a primeira crónica no Diário de Leiria. E isso foi também um salto, porque nunca tinha publicado um único texto. Por opção, sempre privilegiei a narrativa breve, experimentei tudo o que havia a experimentar nessa dimensão. Paralelamente, sempre me interessou testar outras coisas fora da área e foi por isso que escrevi peças, canções, argumentos para curtas e teatro. Só não tinha escrito poesia e romance. Se calhar, estava a precisar de um pretexto qualquer. O novo grupo de teatro A Veia, de Sandrine Cordeiro, João Costa e Idalécio Francisco, ficou encarregado de fazer uma performance, a partir do meu texto, no dia da apresentação, na Arquivo Livraria. Não sei nada do que prepararam, só sei que é preciso trazer auscultadores de telemóvel. Mais uma vez, é uma oportunidade de juntar outras artes à literatura e não fazer as coisas de forma convencional. Vai ser também a estreia oficial deles.

Pode contar-nos um pouco do enredo do romance?
A minha escrita nunca foi fácil, sempre foi desafiante e desassossegada. Pretende questionar e causar um desconforto que, depois, tenha uma consequência em quem lê. Nesse aspecto, este é o meu livro mais incisivo, mais duro e mais doloroso. Doloroso na escrita e na leitura. Quando conto o que ele contém e pretende, as pessoas dizem- -me: "gosto de ti, mas não irei ler". Quem já leu coisas escritas por mim, já sabe ao que vai. O livro retrata pouco mais de um dia na vida de uma mãe que está na iminência de perder a filha adolescente. É a sua perspectiva, pensamentos, fantasias, medos, raivas, enquanto está no hospital, à espera da oficialização da morte da jovem. A perda de um filho é das coisas mais difíceis de encarar. Por que razão alguém há-de querer ler sobre isto? Por que razão uma mãe há-de querer ler sobre uma mulher que está a perder a filha? Não é uma leitura que distraia ou seja de praia. Mas, as coisas que nos agitam e tentamos manter cá dentro, é o que tenho para oferecer e me interessa explorar, enquanto escritor.

Perfil
Da mini-narrativa ao romance

Paulo Kellerman nasceu em Leiria em 1974 e começou o seu percurso como homem das letras publicando em edições de autor limitadas e colaborando na imprensa regional e nacional. Escreveu para o DN Jovem, editou um primeiro livro, de micro- -narrativas, em 2001, e tem-se dedicado à narrativa breve e ao conto. Recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores, em 2005. Tem colaborado nas mais diversas artes, da música ao teatro e mesmo escrito para cinema. Costuma dizer que não se lembra do que escreveu. O seu processo de escrita passa por esvaziar a mente de tudo o que escreveu e começar novamente. “Tenho um período antes da escrita, onde escrevo as coisas mentalmente.” Mas adora quando a escrita ganha vida e o surpreende e ganha novas dimensões, nova vida e seguem caminhos inusitados. “Quando acabo de escrever, há uma necessidade a que obedeço tranquilamente, de esquecer e afasto-me.” No dia 12, apresenta o primeiro romance.

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