Opinião

Palavras lúcidas

21 mar 2019 00:00

Pior, a cultura do carro instalou-se de tal forma na nossa sociedade que levará anos até que a generalidade das pessoas esteja disponível para dele abdicar em favor de outras formas de mobilidade, mesmo que mais benéficas para a sua qualidade de vida.

A entrevista que Sara Araújo concedeu aoJORNAL DE LEIRIA, publicada nesta edição, poderia bem ser distribuída por todos os alunos das escolas do nosso País, com uma ou duas cópias extra para as fazerem chegar aos pais.

De uma forma clara e sem rodeios, esta leiriense que vive e investiga a partir de Coimbra toca em tudo o que são os principais problemas que assolam a Humanidade: racismo, xenofobia, desigualdade de género e social, intolerância, extremismo…

Também o reduzido espírito crítico e a incapacidade de auto-análise, que levam a que, em pleno século XXI, continuemos tolhidos por heranças culturais de um passado retrógrado que está mais perto, do que o desenvolvimento tecnológico possa fazer crer.

Para muitas pessoas, eventualmente a maioria, será mesmo desconfortável ler as suas palavras, pois a forma como ali se identificarão obrigará a reflectirem sobre o que verdadeiramente são e pensam.

Levará à consciência de que, em muitos casos, se verbalizam coisas que não correspondem ao que habita no íntimo, só emergindo, geralmente, quando toca os próprios. Nas palavras de Sara, levará gerações para que seja de outra forma, com a Educação a ter um papel absolutamente fundamental na mudança.

Não a Educação da Matemática, da Química ou do Português, mas aquela capaz de alterar mentalidades, de fazer pensar diferente, de, como ela refere, desconstruir o que está cristalizado na nossa mentalidade colectiva.

O programa de apoio à redução tarifária dos transportes públicos, anunciado esta semana pelo Governo, é sem dúvida um importante apoio social para muitas famílias, mas também um sinal de que, finalmente, o País poderá iniciar a sua modernização em termos de mobilidade.

Após anos e anos de investimento em alcatrão, em completo contra-ciclo aos seus parceiros europeus, Portugal tornou-se o segundo Estado-membro da União Europeia com melhores estradas, como revela um relatório divulgado há alguns dias pela Comissão Europeia, mas deixou-se atrasar completamente na oferta de transportes públicos, promovendo, assim, o uso do automóvel, com as conhecidas consequências ambientais e de congestionamento de trânsito.

Pior, a cultura do carro instalou-se de tal forma na nossa sociedade que levará anos até que a generalidade das pessoas esteja disponível para dele abdicar em favor de outras formas de mobilidade, mesmo que mais benéficas para a sua qualidade de vida.

Continuará ainda por algum tempo a imperar o comodismo, a vaidade e o preconceito que, aliados à oferta deficiente, vão inibindo uma maior procura dos transportes públicos, mesmo onde os há com alguma qualidade.

Apesar de tudo, o balanço que o JORNAL DE LEIRIA faz nesta edição sobre a utilização dos transportes urbanos do distrito de Leiria não deixa de ser animador, com a procura a subir mais de 6% nos últimos dois anos e, no conjunto dos cinco operadores, desde o início da actividade, a serem atingidos mais de 10 milhões de passageiros.

Veremos se o programa agora anunciado pelo Governo será um incentivo para o crescimento destes números. 

*director