Viver

Palavra de Honra | Os velhos são muito mal tratados no nosso país.

22 abr 2021 18:38

Ana João, Assistente Social

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Já não há paciência ... para os palermas da extrema direita; para sushi dos 300; para telejornais cheios de Superliga; para os negacionistas e pessimistas desta vida (tanto como para os discursos impositivos da felicidade); para as descargas ilegais no rio Lis; para a ausência de um Centro Especializado para a prescrição de produtos de apoio em Leiria; para as políticas sociais feitas para inglês ver.

- Detesto... populistas. Esta pandemia e esta nova forma de vida que parece saída de um filme mau. Arroz de polvo. Burocracia. Dores nas costas. Gente armada ao pingarelho.Gente que não lê jornais nem vê notícias mas que tem sempre muitas opiniões! Gente pronta para o discurso de ódio, que não se mete no lugar do outro. Camisolas que ganham borboto após a primeira usagem.

- A ideia... de envelhecer apavora-me! Não me interpretem mal. Nada contra rugas, cabelos brancos e sabedoria. Mas a possibilidade de perder capacidades
físicas/cognitivas e ficar dependente, transtorna-me! E, depois, os velhos são muito mal tratados no nosso país! Basta olhar para as histórias deste último ano...

- Questiono-me se... fosse negra, homossexual ou imigrante como lidaria com o medo de existir/ser. Questiono-me também se deus existe ou se a astrologia faz algum sentido. E se o Universo, quando deu à minha irmã Mariana todo o jeito para o desenho, me estaria a dar uma outra missão que ainda não descobri qual é.

- Adoro... gente arrumada, com a cabeça, o coração e os tintins no sítio. Adoro pessoas com capacidade de responder a crises com criatividade! Adoro as coisas do amor romântico, mesmo que tenham sido todinhas inventadas! Adoro vinho, livros, folhas de Excel, bolachas, trívia, caminhadas, o Alentejo, o Douro, o Minho, queijo, cantar, jiboiar. Viajar. Comer. Comer a comida da minha mãe. Adoro o Natal. Espetáculos de dança - choro quase sempre. Andar com a botija de água quente ao colo. 

- Lembro-me tantas vezes... da vida sem telemóvel e sem internet. Lembro-me também dos meus verões de adolescente, passados no Baleal e a acampar nas Berlengas.
 
- Desejo secretamente... andar de foguetão. Ter o chão da casa de banho aquecido. O teletransporte. Uma memória bem mais afinada que a que tenho, ou poder falar em público sem me enrolar toda. Conviver melhor com a incerteza.

- Tenho saudades... dos meus avós. Da minha infância. De Moçambique. De concertos. De dançar com gente. De abraçar e beijar os meus. 

- O medo que tive... quando o meu pai fez uma intervenção ao coração que implicava o uso de um desfibrilador. Só conseguia pensar no quadro de luz do Hospital a ir abaixo no momento da reanimação. Não suporto a ideia da existência sem o meu pai por perto. Daddy issues...

- Sinto vergonha alheia... de quem tem ameaçado os jornalistas do Fumaça. De gente como o Bolsonaro, o Trump, o Ventura, o Putin, o Orbán ou o Salvini. Fico chocada com as dinâmicas de conflito que se mantêm após anos e anos de civilização.

- O futuro... do mundo provavelmente será gerido pela China. O meu, espero, será feito das pequenas coisas boas desta vida. De ir ao mercado ao sábado de manhã, de me deixar ficar no sofá a namorar, de fazer bolos de canela no outono. De trainadas com os amigos. Se tiver como, verei o mundo todo, construir um mega centro de intervenção para a InPulsar, outro para a APPC-Leiria, trazer os documentários mais inacessíveis para o Hádoc, fazer um festival A Porta de seis em seis meses, fazer com que o Ao Largo, a Luziclara, a Arquivo e o Atlas nunca acabem.

- Se eu encontrar... o Caetano Veloso, o Wong Kar-Wai ou a Jacinda Ardern na rua, dou-lhes um beijo na boca.

- Prometo... contemplar mais, comer menos doces, diminuir a minha pegada ecológica, continuar a emocionar-me com anúncios da TV e com pássaros a
chilrear, lembrar-me sempre que a aprendizagem é uma coisa que é feita ao longo da vida e que o segredo está em sair da zona de conforto. Conto com a
minha irmã Teresa para me ir atualizando na gíria e no digital.

- Tenho orgulho... nos meus amigos! Planeio escrevo-lhes uma montanha de elogios. E das pessoas com quem trabalho, que todos os dias lutam pelos
direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência e/ou incapacidade. Era bom que um dia deixássemos de nos queixar tanto de barriga cheia.