Sociedade

No problema do plástico, o vilão chama-se Homem

5 jul 2018 00:00

Responsabilidade | No dia 3, celebrou-se o Dia Internacional Sem Sacos de Plástico e não faltaram avisos sobre o impacto desse material no meio-ambiente e acerca da sopa de plástico em que os oceanos do planeta se estão a transformar.

Ilustração Bruno Gaspar
Jacinto Silva Duro

Mas será esta matéria-prima a “má da fita” ou há outro culpado?

Será o plástico “um vilão” ou é o comportamento dos seres humanos, que se habituou a olhar para ele como algo descartável e não como um recurso reciclável, que está errado? “A história está muito mal contada", assegura o presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP).

Pedro Colaço imputa responsabilidades à redução das campanhas de sensibilização para a reciclagem desta matéria-prima. “Definitivamente, o maior problema é o comportamento do ser humano. O plástico não é tóxico e, por si só não causa poluição. É da nossa responsabilidade que ao descartá-lo ele seja encaminhado para um circuito economicamente circular e não linear como hoje acontece.”

Os números são astronómicos. Sabia que o peso total das escovas dos dentes descartadas em Portugal equivale ao de 200 elefantes adultos? Ou que apenas 9% do plástico produzido por cá é reciclado e cerca de nove milhões de toneladas de produtos descartáveis são despejadas nas águas, todos os anos? Estes são dados divulgados pela associação ambientalista Quercus, que refere ainda que, em Portugal consomem-se anualmente cerca de dois mil milhões de sacos de plástico. Na Europa, estima-se que cada cidadão consuma, em média, 500 sacos plástico por ano.

O anterior Governo taxou os sacos de plástico leves como medida de encaixe orçamental, que iria ser benéfica também para o ambiente. Os cidadãos perceberam, rapidamente, que não precisavam de muitos sacos em casa. Contudo, segundo Pedro Colaço, “a medida não foi suficientemente estudada. O consumo do polímero em termos globais aumentou, a medida fiscal não produziu receita, e a população reduziu a separação, que é a base para uma maior taxa de reciclagem do futuro”.

Mas mesmo as alternativas - palhinhas de bambu ou vidro, em vez de plástico, por exemplo - são mais exigentes para os eco-sistemas e energeticamente do que transformar plástico. A utilização de plástico está em praticamente tudo o que fazemos no dia-a-dia. A sua utilização é generalizada.

É concebível imaginar um mundo com uma taxa de utilização zero de plástico e derivados do petróleo? Ou seja, podemos, por exemplo, trocar todas as palhinhas, cotonetes e pauzinhos de chupa-chupa por produtos semelhantes em bambu ou papel?

Encontramos plástico em quase tudo o que fazemos no dia a dia. No telemóvel, nos carros, na roupa, nos computadores, nas máquinas, na mobília e até na pasta de dentes, no champô, nos cremes anti-rugas… é ubíquo e omnipresente, mas para o presidente da APIP, não é um monstro e tem muitas vantagens.

“Tocamos em produtos de plástico cerca de 200 vezes por dia. Os polímeros são um material milagroso que suporta muito do nosso bem-estar e estilo de vida. Qualquer substituto tem mais impacto no ambiente”, explica e adianta que estudos recentes dos ministérios do Ambiente da Dinamarca e do Canadá, mostram que “o saco de plástico é cerca de 19 vezes mais ecológico do que qualquer substituto desse material”.

Então o que se passa com o ambiente? Por que razão os oceanos estão cheios de plástico, “contaminando” a água, a areia, matando animais marinhos, infectando outros que entram na nossa cadeia alimentar? A questão tem uma resposta tão simples, quanto óbvia: a Humanidade.

“Como o plástico é altamente descartável, os seres humanos são muito negligentes. Muitos de nós, muito facilmente, largamos na natureza o plástico. Ou seja, o problema não é o plástico, é o comportamento das pessoas”, defende Pedro Colaço.

O Relatório do Estado do Ambiente, divulgado pela Quercus no Dia Mundial do Ambiente conclui que os consumidores “estão muito aquém de práticas quotidianas que permitam uma alteração nos paradigmas ambientais na separação e reciclagem dos resíduos”.

O ambientalista Domingos Patacho também defende que o problema não é o plástico em si, mas o facto de os consumidores não reciclarem e descartarem este material sem pensarem nas consequências. “É o comportamento que está errado. Deitam-no para a borda da estrada, como se fosse a coisa mais natural do mundo, em completa inconsciência. Por exemplo, um saco de plástico ou uma palhinha deitada ao chão em Leiria ou Ourém podem ser soprados pelo vento ou levados pela chuva para um rio e daí para o mar, onde irá matar um animal ou contaminar outros.” 

O dirigente da Quercus alerta para a urgência de aumentar as taxas de reciclagem e para o papel das autarquias no processo. A indústria do plástico “está disposta a ajudar nesta consciencialização”, mas Pedro Colaço, faz notar que mesmo com investimentos realizados em centrais de reciclagem, o plástico não está a chegar às novas unidades. “A recolha não está a ser bem feita, mas a indústria está sedenta desse material.” 

Os portugueses estão a deixar de reciclar
Já ouviu ou já disse que não separa o lixo e não usa a reciclagem “porque eles lá separam tudo”, “porque paga impostos e está a dar lucro a empresas de reciclagem que, depois, até vendem o papel, vidro, metal e plástico”?

São ideias erradas e repetidas até à exaustão como estas, aliadas à ausência de campanhas de sensibilização para a reciclagem que estão a fazer com que os portugueses estejam a deixar de ter comportamentos ambientais. O presidente da APIP sublinha que é preciso ter o cuidado de não contaminar o lixo que se separa.

O argumento de que “eles, lá, separam tudo e nós não temos de o fazer, porque pagamos impostos para isso”, pode destruir a possibilidade de um contentor, cheio de plástico, vidro, papel ou metal ser reciclado.

Os números mais recentes mostram que a quantidade de matéria-prima reutilizável – contabilizada como simples lixo - que, todos os anos, vai para aterro sanitário está a aumentar, ao mesmo tempo que a recolha de resíduos para reciclagem diminuiu na Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal, Porto de Mós e Ourém, concelhos da área de intervenção da Valorlis.

Em 2017, a entidade recolheu quatro mil toneladas de vidro, 4.4 mil toneladas de papel e 1.657 toneladas de embalagens de plástico e metal. Deste valor 1.445 toneladas eram plástico, correspondendo a 14,4% do material reciclável recolhido.

 

Plástico em Números
450 anos
é o tempo médio que uma
garrafa de água/embalagem de
iogurte demora a desaparecer
12 minutos é o tempo médio de
utilização de um saco de
plástico, até ser depositado no
lixo
5 anos é o tempo que uma pastilha
elástica demora a desaparecer
no meio ambiente
20 anos é o tempo que um filtro de
cigarro demora a degradar-se
40 anos é o tempo necessário para
um saco de plástico se decompor
(mas não desaparece totalmente,
porque se transforma em
microplástico)
100 anos é o tempo que o talher e o
copo de plástico que usou hoje
vai ficar a contaminar a natureza
269 mil toneladas é a quantidade de
plástico que está a flutuar no
oceano
1 milhão de pássaros marinhos e
100 mil mamíferos morrem
anualmente envenenados por
plástico