Sociedade

Ninjas e Princesas: Dores de Crescimento

19 mai 2016 00:00

A inquietação, a insatisfação, a autoanálise excessiva, o arreliamento agudo, a desorientação saudável e uma parvoíce incontrolável estão cá e estão para ficar, só que cada vez lido melhor com uma coisa que nunca pensei vir a ter, defeitos.

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Devido a incríveis avanços na ciência, a um pouco de sorte e a uma deficitária política de planeamento familiar na ida década de 80, esta semana tive a felicidade de fazer 36 anos. Não sei se convosco era assim, mas de onde eu venho, há 20 anos, fazer 36, era sinónimo de desaparecer preso a uma algália existencial. Cinzenta e bolorenta, de onde ecoava a voz de um Andrea Bocelli ou de qualquer outro amblíope, guiando a manada rumo a uma mantinha que emanava um tira tesão incontornável e eterno, tipo um sugador de vida lento, cujo princípio activo eram substâncias tóxicas e distantes como o emprego, o casamento, os filhos, as despesas, ou como lhe chamamos agora, a realidade. Sim, eu era um gajo animado.

Na altura, havia uma frase que me atacava particularmente os nervos, como um tropeçar estúpido num degrau geracional, cada vez que me tocava nos tímpanos. Frase essa que agora uso sem parcimónia, mais no gozo do que a sério, como tudo o que faço: “Quando chegares à minha idade vais ver como é.” Pronto, é assim que se torna oficial, cheguei. E, digo-vos, tirando o facto de agora dizerem que ressono, de ser atropelado todas as noites por um triturador de ossos, de a roupa ter encolhido e dos botões gritarem por socorro em certos casacos, de me ter esquecido como é que se corre e de deixar de fumar quase todas as noites. Esta é que é a idade. Porque tudo o que era Eu mantém-se.

A inquietação, a insatisfação, a autoanálise excessiva, o arreliamento agudo, a desorientação saudável e uma parvoíce incontrolável estão cá e estão para ficar, só que cada vez lido melhor com uma coisa que nunca pensei vir a ter, defeitos. Porque há um propósito, porque há um amor incondicional e imenso que arreda todas estas minudências como um braço que arreda cortinas para chegar a uma vista mais clara sobre a rua. Falar-vos-ei futuramente com mais pormenor sobre esse amor, essa força indestrutível, esses super poderes que te vem com um brilhozinho nos olhos e te fazem capaz de conseguir tudo. Inclusivamente tomar conta de duas crianças depois de uma noite de aniversário à moda antiga, com a cabeça a latejar e cheio de vontade de descer uns metros em apneia numa piscina de água com gás. E, como se não bastasse, na noite seguinte ter o puto, esta semana conhecido por Jacaré das Tostas, a acordar-te de hora a hora com dores de crescimento.

O crescimento é duro para todos. Lembro-me bem de sentir a parte de trás dos joelhos a esticar em agonia. Eram tempos difíceis. Mas, alerto-vos já, há dores horríveis em qualquer fase da vida. O desassossego é constante. Só que agora as perguntas que te assaltam não têm tanta piada como as de outrora. Na infância eram do género: “Mãe, se me dói mais uma perna que outra será que amanhã acordo com uma perna mais comprida que outra?” e agora são coisas mais esotéricas, tipo: “O que é andamos aqui a fazer?” Xoninhas, não sei, mas se for preciso, por ti, amanhã ando com um artelho fora das calças.