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Museu na Aldeia desafia idosos a serem artistas: "Quando é que a gente vai passear de autocarro?"

8 abr 2021 11:57

Projecto liderado pela SAMP que junta 13 museus e 13 aldeias recomeçou em Alcanadas, no concelho da Batalha

Raquel Gomes, coordenadora do projecto Museu na Aldeia
Raquel Gomes, coordenadora do projecto Museu na Aldeia
Ricardo Graça
A sessão de terça-feira, 6 de Abril, aconteceu na antiga escola primária
A sessão de terça-feira, 6 de Abril, aconteceu na antiga escola primária
Ricardo Graça
Em Alcanadas, o público-alvo tem entre 67 e 91 anos
Em Alcanadas, o público-alvo tem entre 67 e 91 anos
Há música, mas também dança e teatro
Há música, mas também dança e teatro
Pela primeira vez em Alcanadas, o Museu na Aldeia atraiu dezena e meia de residentes
Pela primeira vez em Alcanadas, o Museu na Aldeia atraiu dezena e meia de residentes

Com música e teatro, a equipa da SAMP chega ao concelho da Batalha. Raquel Gomes dá os sons na guitarra acústica e no acordeão, Sofia Neves veste-se de Henriqueta, uma personagem idosa e muito especial, incontornável na apresentação realizada no exterior da antiga escola primária, esta terça-feira, 6 de Abril.

A fase dois do desconfinamento permite o recomeço do projecto Museu na Aldeia e, pela primeira vez, quase dezena e meia de habitantes de Alcanadas, entre os 67 e os 91 anos, escutam a proposta que os transforma em artistas e co-criadores.

Cantam-se refrões populares e dança-se o Vira do Minho, a sessão de uma hora passa a voar.


“É pena não ser todos os dias”, comenta alguém, logo nos primeiros minutos do convívio. Raquel Gomes, a coordenadora do projecto Museu na Aldeia, prepara- se para anunciar que a SAMP pretende levar o património dos museus (parte dele, pelo menos) até comunidades isoladas. A quem, se calhar, nunca visitou um museu. “Não podem ir ao museu, então vamos trazer o museu até à aldeia”. É a deixa para a irrequieta Henriqueta, que volta a interromper: “Eu estava aqui a pensar com os meus botões (…) Como é que o museu vai vir até aqui?” A assistência gosta e não se fica: “Põe umas rodas!”

Ao todo, são 13 aldeias e 13 museus, num projecto financiado pelo Poise – Programa Operacional Inclusão Social e Emprego do Portugal 2020, através da iniciativa Portugal Inovação Social, que junta os 26 municípios da Rede Cultura 2027, responsável pela candidatura de Leiria a capital europeia da cultura.

Por sorteio, o Museu da Lourinhã coopera com Alcanadas. E serão mesmo necessárias rodas. E um camião. “Deve ser uma peça para cada um”, arrisca-se. “Se calhar é algum dinossauro!”

Os habitantes das aldeias escolhidas, todos com mais de 65 anos, são desafiados a reinterpretar artisticamente as peças que vão receber.

“Esta é a parte mais importante, Henriqueta, é que nós vamos-vos pôr a trabalhar”, adianta Raquel Gomes. “Depois de o Museu da Lourinhã vir explicar que peças são aquelas e por que é que elas estão aqui, nós vamos pôr todos a nossa cabecinha a trabalhar e vamos nós juntos construir uma peça para ir para o Museu da Lourinhã”, esclarece. “E construir o quê? Algo que tenhamos em casa que achamos que até possa ser interessante, vamos trazer, ou então vamos recuperar uma história antiga, que já está a desaparecer e que nós não queremos que desapareça, ou uma música, que já nunca mais ninguém cantou, vamos recuperá-la. Ou vamos inventar qualquer coisa de novo. E temos alguns meses para todos juntos construirmos algo”.

Na fase seguinte, a criação dos idosos de Alcanadas será exposta no Museu da Lourinhã, que eles vão visitar, acompanhados por bailarinos, músicos, actores e poetas. “Vocês também vão ser artistas”, avisa Raquel Gomes. “E o que é que vão fazer? Não sei, ainda vamos todos pensar”.

A primeira visita da SAMP a Alcanadas serve para apresentações, mas não só. Os mais velhos vão sendo desafiados a falar, cantar, recordar, dançar. Malhão, Malhão; Oliveirinha da Serra; Tia Anica de Loulé.

Depois de tudo terminado, Raquel Gomes haverá de explicar ao JORNAL DE LEIRIA que o objectivo do projecto Museu na Aldeia é trabalhar com “comunidades e pessoas que estão mais isoladas” e que “não têm acesso à cultura”.

Sofia Neves acrescenta: “Que se sentem em solidão” e que através da cultura “vão falar deles próprios” e dos territórios que habitam.

Chega, entretanto, o momento para resolver dúvidas. Que as há. “Alguém tem alguma pergunta? Tenho eu: quando é que a gente vai passear de autocarro?”

Ainda há tempo para falar da origem do nome Alcanadas, que a lenda relaciona com a Arca de Noé.

“Foi uma tarde animada, uma tarde diferente. Isto faz bem”, diz Isilda Vieira, 74 anos, ao JORNAL DE LEIRIA. António Silva Vieira, 87 anos, também sai satisfeito. “É um bocado de aprendizagem, de comunicação, de espairecer, é bom para todos”.

O reencontro já está agendado: 18 de Maio. Por coincidência, Dia Internacional dos Museus.

Até 2022: documentário em vídeo e museu virtual na internet
 
“Pessoas que são preciosidades” e “têm riquezas enormes dentro delas e nas suas casas”, diz Raquel Gomes, a coordenadora do Museu na Aldeia, sobre o público-alvo do projecto. “Passamos a ter um olhar diferente sobre estas aldeias desertificadas”.
 
O processo de transformação envolve artistas e idosos. E a comunidade. Para “mostrar à sociedade que estas aldeias têm vida”.
 
A equipa de trabalho inclui uma museóloga, um sociólogo, uma psicóloga, uma bailarina e dois músicos.
 
Estão envolvidos 13 museus e 13 aldeias de 26 municípios. As peças vão às aldeias, são reinterpretadas, depois os museus recebem criações dos próprios idosos, num intercâmbio de visitas e colaborações.
 
O estudo científico de impacto do projecto está a cargo do Politécnico de Leiria.
 
No final, será produzido um catálogo de exposições, um documentário em vídeo e um museu virtual na internet.
 
O projecto Museu na Aldeia, da responsabilidade da SAMP, decorre até Dezembr de 2022 e está inserido na Rede Cultura 2027 Leiria.