Sociedade

“Muito mais do que apenas ir à igreja aos domingos”

14 mar 2019 00:00

Fé | Mais de 80% dos portugueses dizem-se cristãos, mas apenas 35% se consideraram praticantes. Entre os jovens, o número é inferior, com a Igreja a atribuir o valor ao “descontentamento com as instituições” e ao “mundo de oportunidades” das tecnologias.

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Jacinto Silva Duro

Numa actualidade marcada por notícias de escândalos sexuais envolvendo sacerdotes e pela dificuldade de estabelecer comunicação e ligações entre a população e a Igreja - as instituições em que os portugueses menos confiam são os bancos, a Igreja Católica e as religiões organizadas -, o que faz os jovens manterem ainda a ligação com Cristo?

Entre os jovens portugueses que admitem uma ligação à religião, 53% são católicos, 1% é protestante e 2% identificam- se com outra denominação cristã. De acordo com o estudo Os jovens adultos europeus e a religião, 20% deles dizem que participam, pelo menos uma vez por semana, em celebrações, independentemente da religião ou confissão e 35% admite jamais tomar parte.

Quando os números foram revelados, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Barbosa, atribuiu a origem da descida verificada a um “descontentamento com as instituições”, aliado ao facto de os jovens “viverem num mundo de tantas oportunidades, suscitadas em parte pelo desenvolvimento das novas tecnologias”.

O padre contrapôs, não obstante, que a fé continua forte e salientou que a figura de Deus é entendida, agora, a “um nível mais pessoal e íntimo”, que contorna as instituições religiosas.

Perante uma actualidade marcada por um desinteresse generalizado pela religião, notícias de casos de agressões sexuais praticadas por sacerdotes e escondidas durante décadas e pelas tentativas de reacção do Papa Francisco a este problema, o JORNAL DE LEIRIA perguntou a jovens da região de Leiria o que os leva a manter a ligação à Igreja Católica e a celebrar a sua fé, resistindo às tentações da vida moderna.

Para André, Catarina, Daniel e Vanessa, a vivência cristã não se esgota, nem é rica, se apenas se traduzir em ir ao domingo à missa. Acreditam que há muito mais valor no sentimento de comunidade e na participação em projectos comuns em torno do auxílio ao próximo, objectivo que, dizem, muitos católicos sabem de cor, mas ao qual não vislumbram o sentido, que se tem perdido numa sociedade que pressiona e endeusa o individualismo e o sucesso na carreira e na vida pessoal.

Em luta contra o discurso predominante, veiculado até por amigos e colegas, estes jovens manifestam com orgulho a sua fé em todas as suas idiossincrasias, mas não se abstêm de criticar a Igreja Católica, instituição que, sentem, não tem sabido responder às mudanças abruptas no tecido social e que, guiada por um espírito hermenêutico e proteccionista, não separou o bíblico trigo do joio, poupando muitos sacerdotes à justiça dos Homens.

“Procurar ajudar e amar o próximo”
Daniel Filipe, 20 anos, é natural da Marinha Grande e católico por opção. Os pais resolveram não o baptizar e depositar-lhe a escolha nas mãos, quando tivesse idade para compreender e fazer uma opção consciente e informada.

A idade chegou há cinco anos, quando, explica, ganhou “um interesse pela religião católica” e decidiu fazer um percurso Alpha, série de sessões que exploram a fé, habitualmente durante 11 semanas, sempre com uma temática diferente. Perante as mil e uma actividades, atracções e ocupações que cercam os jovens na actualidade, o que o levou a optar por manter um vínculo com a religião e com fé?


“Independentemente de todas as actividades, atracções ou mesmo ocupações que possa ter, nenhuma delas me dará o que a religião e a Igreja me dão. O amor e união que se sente é incrível e acredito que se deveria dar uma hipótese a estas vivências na religião e Igreja, ao invés de as criticarem e desprezarem.”

Essa união, que Daniel diz que se manifesta na comunidade, aliada a uma existência serena, explica, é a vivência cristã.

“É muito mais do que apenas ir à igreja aos domingos. No meu caso, nem sempre é possível ir, no entanto, acredito numa participação activa dentro da paróquia e em procurar a presença e conforto de Deus no dia-a-dia e não apenas nos momentos em que pedimos algo.”

O jovem, estudante na licenciatura de Desporto e Bem-Estar do Instituto Politécnico de Leiria, resume o seu pensamento, lançando mão de uma citação de Cristo presente na Bíblia e que, há 21 séculos, marca o espírito cristão: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei".

Busca pela serenidade
A caminhada pela fé de Vanessa Domingues, 24 anos, natural do concelho de Leiria, começou “por proposta da família”. Como muitos outros portugueses, a pré-existência de uma tradição católica na família e a comunidade foram o que espoletou a sua relação com a fé.

Mas foram as vivências, partilhadas em comunidade, que realmente a conquistaram, levando-a a procurar outras experiências como ser escuteira, percurso que culminou, recentemente, na chefia de um agrupamento de escuteiros católicos.

“Sobretudo, procuro ser cristã, por opção e com significado. Vivo a proposta católica para partilhar a minha fé com quem acredita nos mesmos valores”, explica a jovem que, após concluir um mestrado em Reabilitação Psicomotora, pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, trabalha numa Equipa Móvel de Desenvolvimento e Intervenção Precoce, que dá apoio crianças e jovens com perturbações do desenvolvimento.

Vanessa sublinha que as suas opções no modo como vive a fé são sempre tomadas com liberdade e espaço para a reflexão. A vivência cristã, explica, traz-lhe “preenchimento espiritual”. A busca pela serenidade, é, para ela, tal como acontece com Daniel Filipe, o estado de espírito que a guia no dia-a-dia e diz que não trocaria a sensação de plenitude por qualquer outra das propostas que o mundo de hoje coloca à sua disposição.

“As mil e uma actividades ou ocupações enriquecem-me noutras dimensões. Acho que todas são necessárias para o equilíbrio, e este vínculo com a Igreja deve ser vivido com equilíbrio com as outras dimensões.”

“Na catequese, na preparação para o Crisma, na Missão País e, sobretudo, no escutismo vivi momentos muito fortes, dinâmicos, com a mensagem cristã aplicada aos dias de hoje, reflexivos. Com base nessa vivência, atrai-me o desenvolvimento do espírito, da serenidade, do discernimento, do compromisso e responsabilidade e o preenchimento pessoal que se reflecte na forma como me relaciono com os outros e no que dou ao mundo.”

Para ela, ir à missa dominical é apenas o “mínimo olímpico” para se ser cristão e apenas uma gota de água num oceano.

“Acredito e procuro que seja muito além disso. Se não formos capazes de aplicar aquilo que a fé nos permite desenvolver, serve de pouco. É essencial manter a coerência entre o que dizemos e o que fazemos, entre o que dizemos ser e a nossa postura perante as situações e os outros.”

Vida cristã não é coleccionar sacramentos
“A vida cristã não se pode resumir a ir à missa ao domingo e a coleccionar sacramentos ou a cumprir um conjunto de preceitos ou mandamentos”. André Roque, 26 anos, natural do concelho de Leiria, vive um encontro diário com o amigo Jesus Cristo, numa relação que alimenta diariamente, partilhando vivências, alegrias e dificuldades.

“Mas, tudo isto é um processo de aprendizagem... não é algo que surja de um momento para o outro ou por milagre.” Animador socio-cultural na Santa Casa da Misericórdia de Alvaiázere, desde que terminou a licenciatura na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Instituto Politécnico de Leiria, explica que é católico por opção.


“Claro que a minha fé me foi transmitida pelos meus pais e avós. Nasci no meu seio de uma família cristã e desde muito cedo fui habituado a ir à missa e rezar.”

Diz que já duvidou e se afastou da Igreja e da fé, procurando “refúgio em milhentas actividades de vários tipos”. Mais do que um laço com a Igreja, André Roque explica que o que atrai os jovens como ele é o “vínculo” que se estabelece com uma comunidade, onde se partilha a vida com outras pessoas. “Leva-me a ser eu, a reflectir verdadeiramente na minha vida e preenche-me o vazio como nenhuma outra actividade, até hoje, o conseguiu fazer.”

André Roque refere que o que mais o atrai na vivência cristã é a alegria de ter um Deus que ama e perdoa. “Não há maior felicidade do que ter a certeza de se ser amado e ser-se amado como se é, com defeitos e virtudes.”

Alia a isto o sentimento ecuménico e “contagiante de todos aqueles que se entregaram” a Cristo.

Manter viva a chama da fé
Natural da Marinha Grande, nasceu numa família cristã que descreve como “conservadora” e de quem absorveu muitas influências no que concerne à vivência e partilha cristãs. Catarina Lavos, 32 anos, viveu vários anos em Lisboa antes de regressar à terra natal e jamais deixou de procurar manter viva a chama da fé.

“Participava e ainda participo em missas organizadas por jovens. Sempre procurei as celebrações onde encontrava pessoas de faixa etárias mais jovens”, diz, fazendo notar que, nessas Eucaristias, as igrejas estão sempre compostas. “Mas sei que, noutros locais, há um maior absentismo e os fiéis são maioritariamente idosos.”

Catarina diz que, na região, frequenta dois espaços onde há missas organizadas por jovens: a Igreja Matriz da Marinha Grande, aos sábados, às 19 horas, e a Igreja do Espírito Santo, em Leiria, ao domingo, à mesma hora. “Ir à missa é um momento de meditação sobre a pessoa que sou e de celebração em comunidade”, explica esta licenciada em Saúde Ambiental, que é sócia numa empresa de prestação de cuidados de saúde, e que tem um filho bebé a quem pretende educar dentro da fé. “Já recebeu o primeiro sacramento, o Baptismo.” 

Escândalos sexuais: “Deus não tem culpa” 
André Roque acredita que houve cristãos que se afastaram da Igreja, em especial os mais jovens, devido às notícias de recentes escândalos sexuais perpetrados por sacerdotes e escondidos durante décadas pela instituição. 

No entanto, sublinha que não foi uma reacção a Cristo e a Deus, que são, afinal o cerne da religião cristã, mas contra os Homens. “Contra os Homens que governam a Igreja, principalmente pelo encobrimento que reinou durante anos. Mas não foi apenas este acontecimento recente. Ao longo da história muitos são os acontecimentos dentro da Igreja que afastam os jovens e mesmo os menos jovens.”

Catarina Lavos diz que sente uma espécie de revolta. “Não sinto vergonha porque as pessoas que cometem estes crimes até podem acreditar em Deus, mas não O têm no seu coração. A Igreja é feita de pessoas e este tipo de coisas, infelizmente, acontece entre os Homens.”

Também Vanessa Domingues defende que estes escândalos “não podem acontecer nem na Igreja, nem em qualquer outro contexto”. Adianta que compreende que os casos noticiados de abusos sexuais tenham afastado jovens, porém, diz que é uma ideia difícil de assimilar. “Não é coerente. Deus não tem culpa e, por isso, a fé mantém-se.”

Com 20 anos, Daniel Filipe também sente que os recentes escândalos afastaram os mais novos. “Vejo este assunto como uma velha ferida que neste momento está aberta, e por isso, os jovens sentem receio e descontentamento, o que faz com que o seu interesse pela religião também diminua.”

Mensagem cristã mais entendível
Vários Censos mostram menos pessoas, de todas as idades, a ir à igreja. No entendimento dos jovens contactados pelo JORNAL DE LEIRIA, o afastamento das camadas mais novas da população da prática religiosa não pode ser explicado apenas por uma razão. Seria, dizem, uma abordagem “demasiado simplista”.

“Uma das razões pode ser a pressão imposta pelo grupo onde os jovens se inserem, e outra podem ser dúvidas que eventualmente surgem, mas que não procuram esclarecer”, acredita Daniel Filipe.

Vanessa Domingues é pro-activa e pragmática, quando se menciona este assunto. Salvaguardando que a mensagem cristã é “intemporal e cada vez mais pertinente”, perante o cenário actual da sociedade individualista e de consumo, diz que a Igreja deve acompanhar o progresso dos tempos, sobretudo na forma como passa a mensagem.

“Se a mensagem continuar a ser transmitida com palavras que não fazem sentido para os jovens, eles não vão conseguir aplicar o conteúdo no seu dia-a-dia. A mensage

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