Sociedade

Miúdos agarrados à net, uma ‘doença’ que a pandemia agudizou

28 jul 2022 20:10

O uso abusivo da internet é um dos focos do novo Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências. Bruno, de 14 anos, partilha a sua história de adicção que afectou a sua saúde mental a ponto de ter ideias suicidas .

miudos-agarrados-a-net-uma-doenca-que-a-pandemia-agudizou
Maria Anabela Silva

“Não posso culpar apenas a internet, mas o facto de me pôr em contacto com pessoas que se relevaram tóxicas para mim, contribuiu para me colocar no fundo do fosso de onde os meus pais me resgataram e salvaram”. O desabafo é de Bruno (chamemos-lhe assim), de 14 anos, recém-saído de uma clínica onde esteve internato durante três meses a meio, depois de os pais descobrirem “um plano detalhado” para colocar fim à vida, tal o estado de depressão em que se encontrava.

Olhando para os últimos dois anos, Bruno e o pai não têm dúvidas de que a dependência da internet que o jovem desenvolveu, sobretudo dos chats e das redes sociais, degradou “muito” a sua saúde mental. “Durante o primeiro ciclo, sofri de bullying, mas com a mudança de escola, consegui fazer novos amigos. Depois, veio a pandemia e as quarentenas. Fecheime na bolha dos contactos online”.

Com os confinamentos, Bruno, que “sempre” gostou “muito” de brincar, que jogava basquetebol e integrava um grupo de teatro, deixou, como tantos outros, de praticar qualquer actividade no exterior. O telemóvel tornou-se o seu mundo. Através dele assistia às aulas. Ou melhor, “fazia de conta” que assistia, porque, muitas vezes, “desligava a câmara e o microfone” e usava esse tempo para estar no whatsapp, nas redes sociais e a ver vídeos”.

“Ficava sozinho em casa, sem ninguém a controlar. As notas descambaram, mas ainda deu para passar de ano”, conta, assumindo que, na fase aguda da dependência, passava “horas e horas” agarrado à internet. “Já não brincava. Não fazia mais nada do que estar ao telemóvel. Do outro lado, encontrei pessoas que, percebo hoje, foram tóxicas, pela carga de negatividade que puseram sobre mim.”

“Continuava a fazer as refeições connosco e aí estava desligado, mas chegou a um ponto que percebemos que precisava de ajuda. Sozinhos já não conseguíamos”, recorda o pai. Se foi “fácil” convencer o filho dessa necessidade, o mesmo não se pode dizer das respostas de apoio que a família procurou. “Para esta problemática são quase nulas, não só no SNS, como no privado”, lamenta João P.

Acabaram por recorrer a uma clínica privada especializada em comportamentos aditivos, localizada em Alcobaça, onde Bruno esteve internado. Saiu em Maio, mas está ainda numa fase de “auto-controlo”. “Tem sido difícil. Sei que para ter uma relação saudável com a internet não devo exceder 1:15 hora por dia. O truque é ser rígido e não facilitar, mas custa.”

Mais pedidos de ajuda e casos mais graves

Bruno foi um dos quatro jovens que nos primeiros seis meses deste ano estiveram internados na VillaRamadas, com diagnóstico de adicção a jogos de consola, vídeo-jogos, redes sociais e telemóvel. No ano passado, foram oito, o dobro do número registado em 2020. “A nível de pedidos de informação sobre os nossos tratamentos, notámos um aumento considerável. Era algo que já mostrava uma tendência crescente de ano para ano, mas que se acentuou desde a pandemia, ou seja, do ano 2020”, revela Eduardo Silva, psicólogo e director clínico da unidade, salientando que, com a pandemia se registou não só um aumento do número de pedidos de ajuda, como “um agravamento da intensidade de cada caso”.

Também no Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Centro Hospitalar de Leiria (CHL) o uso problemático da internet é uma preocupação crescente. Segundo Graça Milheiro, directora do serviço, apesar de “não haver pedidos de ajuda específicos com esse motivo”, a problemática acaba por ser “sempre” abordada nas consultas e não raras vezes se percebe que essa utilização abusiva “tem reflexo” na saúde mental das crianças e dos jovens.

“Os sintomas que nos chegam à consulta são outros, como a quebra do rendimento escolar, perturbações de sono ou andar mais depressivo, mas depois percebemos que alguns desses problemas estão associados ao uso abusivo da internt, que tem reflexos não só na saúde mental c

Este conteúdo é exclusivo para assinantes

Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?

Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.

Já é assinante? Inicie aqui
ASSINE JÁ