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Micaela Sapinho, designer de moda: “nem todas as mulheres sabem o que é ser feminista”

28 out 2016 00:00

Um homem, se quiser, pode ir para a rua de calções e tronco nu, enquanto nós, neste momento, não podemos fazer isso.

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Abrir o desfile da edição deste ano da ModaLisboa deve ter sido uma grande pressão...
No início há sempre aquele nervoso. Antes, só tinha feito um desfile na faculdade e há três meses, quando acabei o curso. Não estava nada à espera de ser seleccionada para a ModaLisboa. Aliás, nem era suposto candidatar-me. Quando cheguei de Inglaterra, o meu irmão é que me incentivou a mandar a candidatura, dois dias antes do limite de inscrições, e concorri com o meu projecto final de curso.

E por que acha que foi escolhida?
Penso que fui escolhida pelo conceito, porque, em termos técnicos, o meu trabalho diferenciava-se muito do dos outros candidatos. A maior parte daquelas pessoas tinha 25 ou 26 anos e mestrados. Além disso, já tinham toda uma produção montada. Cheguei à reunião e fiquei a perceber que era das poucas que tinha feito as roupas, o resto ia buscar às costureiras, às fábricas.

A secção Sangue Novo, da ModaLisboa, é destinada a jovens e promissores talentos. Sente que, com a sua colecção The Other, quebrou “pré-conceitos” do mundo da moda?
Não sei se quebrei, mas o intuito era fazer isso.

Por que escolheu The other como título? Porque a colecção é inspirada no livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Influenciou-me o facto de ela afirmar que o homem é sempre considerado o principal - the one - e que a mulher surge sempre secundária, the other. É sempre comparada ao homem, mas nunca é comparadora. Foi daí que tirei o nome “the other”. O livro foi escrito em 1949 e 60 anos depois tudo o que ela diz no livro ainda se mantém actual. É disto que surge a minha ideia de manifestação; de tentar mostrar como evoluímos tão pouco nestas seis décadas. Obviamente que já mudámos muito, mas não é o suficiente.

A moda é então o seu meio privilegiado para chegar às pessoas, transmitindo ideais feministas e de feminilidade, mudando mentalidades...
Sim, sem dúvida. Apesar das muitas artes, a moda é das mais fáceis para fazer isso. A pintura, por exemplo, não é um meio tão simples de fazer chegar ideias às pessoas, enquanto, num desfile de moda, não são só as roupas mas toda a teatralidade do processo. No meu desfile, os estampados, os posters que diziam “woman up”, “my body my choice”, “free the nipple” e a música Bikini kill, dos Pussy whipped, que gritava “revolução!”, creio, tiveram grande impacto no público.

Os estampados eram divertidos e jovens, e com uma mensagem forte...
Usei os estampados para serem uma mensagem “in your face!”, que faça pensar de maneira mais profunda - e não para ser uma mensagem super óbvia -, mas forte, bem pensada, cómica, divertida, jovem e que chegue a todas as pessoas, dos 8 aos 80 anos. E são o que mais gosto de fazer. Comprar e desenhar o nosso próprio tecido também resulta numa mensagem completamente diferente. O facto de ter desenhado mamas em todo o tecido, transmite a ideia do que queria dizer, embora muita gente não tenha percebido. Só queria que entendessem que uma mulher ao ir para a rua com as mamas à vista não vai contra a lei. Um homem, se quiser, pode ir para a rua de calções e tronco nu, enquanto nós, neste momento, não podemos fazer isso.

Moda não é só desenhar roupa
Foi quase um acaso do destino que fez com que Micaela Sapinho nascesse em Évora. Viveu e cresceu em Leiria até que decidiu ir para o Reino Unido frequentar o curso de Design de Moda, em Cambridge. O interesse pela disciplina vem desde cedo. Desde pequena que gosta de desenhar, mas sempre sentiu que era a moda que mais a interessava. Também gosta de outras artes como a fotografia, o design gráfico e a ilustração, mas como carreira escolheria sempre a moda, até porque, nessa disciplina, consegue ter todos os outros “amores”. A moda obriga a que se seja ilustrador, fotógrafo e, muitas vezes, modelo, costureira e designer gráfica.

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