Sociedade

Luís Miguel Cintra: "voltei a ser católico com uma espécie de raiva por não ter entendido que era uma estupidez afastar-me da Igreja"

5 jan 2017 00:00

O actor e encenador do Teatro da Cornucópia diz ao Jornal de Leiria que ambiciona começar do princípio outra vez.

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Acha a sociedade muito divorciada dos valores humanos?
Acho. E acho que há um big brother gigantesco, que é o dinheiro, que comanda tudo, que transforma a vida quotidiana das pessoas e a sua maneira de pensar. Mas é absurdo porque a acumulação de capital não pode levar por si própria a uma felicidade. E cada vez os objectos de desejo são mais patetas. A pouco e pouco as pessoas vão ter de centrar a sua vida em valores mais importantes. Quais são? Justamente, fugir à regra da normalização dos comportamentos. Ter a felicidade que eu construo e que é a minha e que ninguém me obriga a ter igual à dos outros. Isto acaba por transformar-se num sentido de responsabilidade muito grande, o perigo é se se transforma também num egoísmo gigantesco.

Mas, em Portugal, até pelos últimos anos, continuamos muito preocupados com a eficácia, a produtividade.
De facto, devo confessar que me deu um desconsolo gigantesco quando ouvi como programa para a Educação de um governo que me parecia mais interessante, o governo do António Costa, a eficácia e a competência. Para quê? Para dar mais dinheiro a umas pessoas que nem se sabe quem são? É uma espécie de provincianismo no fundo que está por trás disto. A crença no progresso é uma coisa em que as pessoas não pararam dois segundos para pensar. Que progresso? Para quê? Para ser igual ao resto do mundo? Já se percebeu o que deu esta ideia do progresso na Europa: um desastre incrível na maneira de as pessoas se relacionarem.

Está a reformar-se?
A Cornucópia acabou, como entidade legal subsidiada pelo Estado, acabou. Mas como encenador quero continuar a trabalhar e tenho vontade de inventar uma nova maneira de produzir os espectáculos que me permita fazer uma coisa completamente livre, começar do princípio outra vez. Se não houver dinheiro para fazer fatos pois que não haja, porque o que estamos a passar, no momento de representar, é um pensamento ou uma sensibilidade que estamos a partilhar com outras pessoas.

Pensa no fim da vida, na finitude?
Penso imenso, até porque o meu pai teve a mesma doença que eu e morreu com menos idade. E porque envelhecer fisicamente é duro. Penso com desgosto, por não ter aproveitado tudo o queria aproveitar. Mas não estou nada desconsolado, antes pelo contrário, a gente tem pena é de não viver mais.

Como é que encara a morte?
Deixe-me responder indirectamente. O Tolentino [Mendonça] desafiou-me para fazer uma conferência com o seguinte tema: eu creio na ressureição. E crer na ressureição implica ter uma visão sobre a morte e estar preparado para morrer. Só sei que quando acabei de fazer a conferência caí para o lado, levaram-me para o hospital e estive internado durante uma semana, tendo eles suspeitado que eu tinha tido um AVC, que afinal não tive. Como é que encaro? Pensando na morte, mas a função que tem na evolução da vida. Tentando anular a importância da minha morte perante o resto. E de facto a pessoa tem menos medo de morrer se pensar que outras pessoas estão vivas e estão a transportar qualquer coisa do que a gente fez. O Manoel de Oliveira dizia-me assim: sabe Luís, é muito simples, a vida é como a água, há rios muito diferentes, mas quando chegam ao mar ficam todos iguais, fica uma água onde estamos todos misturados. Quando a gente morre, deixa de haver personalidade e passa a haver só espírito, e esse espírito é o espírito universal.

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