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José Barahona, realizador: “quando voltamos ao nosso País, somos já um bocadinho estrangeiros”

1 dez 2016 00:00

"Estive em Lisboa e lembrei de você", adaptação do romance homónimo de Luiz Ruffato, é o mais recente filme de José Barahona e estreia em Leiria, no dia 1.

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Jacinto Silva Duro

O seu filme, Estive em Lisboa e Lembrei de Você, estreia no dia 1, no Cinemacity Alvalade, Cinema Ideal e no Cinema City Leiria. Porquê esta estreia nacional na cidade do Lis? A escolha das salas foi feita pela distribuição e eu não estive ligado a esse processo. Penso que a casa mãe do Cinema City teve interesse em colocá-lo em Leiria para estrear, tal como em Alvalade. Leiria é uma cidade de que gosto muito e onde tenho amigos. Fiz lá uma sessão com o meu filme Manuscrito Perdido, na sede do Colectivo a9)))), há uns anos.

Neste filme, aborda a imigração de um jovem brasileiro. Fala sobre as dificuldades de alguém que fala a mesma língua, mas que chega a Portugal, em busca de uma vida melhor, deixando a família para trás, e descobre um País completamente diferente e onde, sem se perder na tradução, vive, desenraizado, numa vida sem bonança... É um filme com tom de cinza? É um filme cinzento... Diria que é mais um filme em tom azul.

De blues [melancolia]?
Sim, de blues. De melancolia e nostalgia. É mais do que cinzento. Estou a viver há quatro anos no Rio de Janeiro e há dez anos que lá trabalho. E esta é uma história que também tem muito a ver comigo. Seja de que classe social formos e com mais ou menos problemas, temos sempre um sentimento de desenraizamento e solidão, quando estamos fora. É claro que o protagonista do filme, Sérgio, vive momentos dramáticos que têm a ver com a evolução da sociedade portuguesa, que o levam a ter vários tipos de dificuldades, que eu, por comparação, não tive no Brasil. Pertenço à classe média e ele a uma classe mais desfavorecida. Mas, no fundo, o sentimento mais complicado de lidar é o de desenraizamento e de não pertencer a lugar algum. Quando voltamos ao nosso País, já somos um bocadinho estrangeiros e no de acolhimento seremos sempre estrangeiros.

Como foi que o romance de Luiz Ruffato, que dá origem ao argumento do filme, lhe foi parar às mãos? Alguém me deu o romance e disse: "isto pode interessar-te". Não foi necessariamente para fazer um filme, mas porque era uma história que tinha a ver com Lisboa e com o Brasil - no meu filme Manuscrito Perdido, abordava já as relações entre os dois países, embora num contexto mais histórico. Li o livro e aquela história ficou-me na mente. Com o tempo, a possibilidade de realizar uma película ganhou maturidade. Quando parti de Portugal, no auge da crise económica - fui porque não havia cinema em Portugal e, em 2013, o ICA não apoiou projecto algum - fui tentar fazer cinema e em busca de trabalho. O Estive em Lisboa e Lembrei de Você tem tudo a ver com aquilo que eu, na época, estava a viver e com o sonho de uma vida melhor. O filme é um pouco o espelho de mim próprio. Também enfrentei dificuldades que nunca sonhei. Pensei que tudo seria mais simples.

Há diferença na luminosidade do filme, entre o tempo vivido em Portugal e o Brasil. Um mais sombrio e, o outro, mais vivo e cheio de sol. Toda a história no nosso País é contada, num híbrido entre filme e documentário, e é sempre Inverno. Os anos passam e, ao longo de todo o filme é sempre Inverno. Exacto! Esse trabalho de fotografia foi planeado. Decidi filmar no Inverno em Portugal, coisa que, normalmente, se tenta não fazer, uma vez que é mais difícil, mas eu queria que o Sérgio chegasse a Lisboa no Inverno para sentir o contraste e a diferença cultural para dar quase fisicalidade ao seu estranhamento. O frio que ele sente à chegada é também o frio das pessoas que são frias na relação com ele, mas também o frio que sente nas ruas.

Estreia no dia 1 de Dezembro
José Barahona formou-se em Lisboa, na Escola Superior de Teatro e Cinema, tendo completado os seus estudos em Cuba e em Nova York (New York Film Academy).

Em 2003, licenciou-se em Realização na Escola Superior de Teatro e Cinema. Trabalhou como técnico de som desde 1992 em diversas longas metragens, curtas, e documentários e, em 2013, tornou-se sócio da produtora brasileira Refinaria Filmes, tendo sido programador e produtor da Mostra de Cinema Português Contemporâneo, que acontece anualmente em várias cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, entre outras.

Realizou Buenos Aires Hora Zero, em 2004, a curta-metragem de ficção Pastoral, 2004, premiada no Fantasporto e nos Caminhos do Cinema Português, e o filme O manuscrito perdido, Prémio TV Brasil de Melhor Longa-metragem, na 15.ªMostra Internacional do Filme Etnográfico, no Rio de Janeiro.

Estive em Lisboa e lembrei de você, adaptação do romance homónimo de Luiz Ruffato, é o seu mais recente filme e estreia em Leiria, no dia 1.

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