Sociedade

João Pombeiro, editor: “Portugal não é um país de brandos costumes!”

25 fev 2017 00:00

O editor que foi com dois anos para Leiria e que jogou pela Juve, foi director daLER e é um dos mais brilhantes jornalistas culturais nacionais. Nesta entrevista fala da sua visão do jornalismo e do futuro que gostaria de ver na cidade do Lis

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Jacinto Silva Duro

Um dos seus projectos mais recentes é a editora Reverso. Depois da reedição dos livros policiais de Dick Haskins o que se segue na forja?
Vamos editar os posters de filmes clássicos portugueses com títulos como a Crónica dos Bons Malandros, A Canção de Lisboa, Aniki-Bobó, Kilas, o mau da fita ou a Branca de Neve. Apresentei esta ideia à Cofina e à revista Sábado, e, na quinta-feira [23 de Fevereiro], a estreia desta iniciativa tem a assinatura de Almada Negreiros e será o poster do filme A Canção de Lisboa. Serão cinco cartazes em cinco semanas. Fui contactar quem tem os direitos sobre os cartazes: os distribuidores, os designers ou os herdeiros deles... Só um estava vivo, o José Brandão, que foi o autor do Kilas e da Crónica dos Bons Malandros. Foi um trabalho que demorou algum tempo, mas que soube muito bem. Neste caso, não é um guia, não é um fascículo, é um cartaz, mas é um cartaz que as pessoas podem pendurar nas salas.

São verdadeiros pedaços da história do cinema português...
As revistas e os jornais também podem ir por aqui. Podem oferecer o cartaz, em vez do DVD, porque ele também faz parte dessa história que é também a dos filmes. É bom poder apresentar projectos que, através de um formato, de uma ideia ou alcance, são diferentes. E isso agrada-me muito. Neste momento, tenho outras ideias que também já apresentei e que pretendo que consigam emocionar o leitor ou tocá-lo de outra forma. É uma ideia, mas que não é igual a todas as outras que aparecem no mercado. Gosto de me entregar a 100% a cada projecto.

Falando de outros projectos, o que é exactamente a editora Reverso? Não funciona exactamente como uma editora tradicional, embora já tenha editado os livros do mais internacional dos escritores de romances policiais português, Dick Haskins.
O lema "Reverso" faz todo o sentido. Há muitas definições desse termo, mas a que eu mais gosto é a ideia de regresso ao início. É como se se começasse novamente o caminho e gosto dessa ideia porque eu próprio, há três anos, na LER, vesti a camisola, embora fosse propriedade de outrem. Fi-lo até perceber que não deveria ter vestido assim tanto a camisola, pois as desilusões e decepção podem ser grandes. Devemos ter um projecto nosso. A Reverso não é uma editora convencional só para criação de livros, é uma casa criada para um misto entre jornalismo e editorial. Tanto pode fazer projectos jornalísticos, como editoriais, livros, canção, cartazes, guias ou mapas e outros suportes em que ainda se possa pensar. Apresento estas ideias sobretudo aos grupos de imprensa porque venho do jornalismo e porque é com esses formatos que pretendo trabalhar. Espero que os meus clientes percebam que sou eu quem dá a cara e cada projecto é controlado por mim, do princípio ao fim. É uma forma de vestir a camisola, porque eu visto mesmo a camisola! Dantes também a vestia, mas agora esta coisa é minha, para o bem e para o mal. Cada projecto tem uma marca que, espero, seja reconhecida: "é a Reverso é a editora do Pombeiro."

Gosta de jogar com formatos diferentes... Fez isso com a Cabide, que é uma "revista ao vivo", com artigos feitos no momento, sobre cinema, música, literatura...
Para explicar melhor o que é a Cabide, o melhor é imaginar uma revista em papel, com todos os artigos, opiniões, fotografias, etc... Com a diferença de que todos os trabalhos acontecem e "caem" num palco durante o tempo em que a revista é feita. Já teve quatro números e neste momento estamos numa pausa para perceber como o mercado vai reagir às próximas edições. As primeiras resultaram bem, mas talvez tenha havido alguma falha de comunicação com o público, sobretudo, para ele perceber que aquilo é "uma revista" e não um teatro. Se se perde aquela edição, não se volta a ver mais.

Ou seja, se fizerem uma crítica a uma banda, ela vai estar no palco a tocar, se fizerem uma crítica a um filme, o público verá excertos e ouvirá os críticos a falar dele.
Sim. Está lá o jornalista. Até na ilustração isso acontece. Na última Cabide, tivemos o André Carrilho e a ilustração aparecia em palco. Há a primeira página e a página final. Gosto, sobretudo, de desmontar tudo o que está formatado. Há a televisão e rádio, mas também há outras formas de se chegar ao público. Acredito que, cada vez mais, não existe apenas o formato digital. As pessoas voltaram ao que é analógico. Aos telefones com teclas. As pessoas querem muito a ideia do vintage. Interessa-me tocar em projectos que não seja nos formatos convencionais. As pessoas estão dispostas a pagar mais por isso.

E o digital? O que se passou em casos como o Brexit e a eleição de Trump, à base de mentiras, ou, como a administração norte-americana as convencionou chamar "factos alternativos". Como é que se evita que essas não-verdades, se tornem verdades? A BBC, a CNN e o The Guardian criaram equipas apenas com o intuito de desmentir estas mentiras, mas, mesmo assim, há público que prefere os "factos alternativos"… as mentiras?
Esse é um caminho possível. Mas se queremos um jornalismo mais rigoroso, isso tem de ser pago. É preciso gastar dinheiro. Mas há outra questão que não tem sido estudada. O que para os profissionais da comunicação social é uma mentira evidente, porque sabemos que boa parte do que está noFacebook não é verdade, para o público não é tão líquido. Como é que se faz para que os leitores percebam que o que está no Facebook e no Google, nem sempre é verdade? Há muitos sites de notícias falsas. O dever do jornalista é denunciar o que é falso e dizer o que se passou. Há muitos cronistas que questionam: "como se combate o fenómeno Trump, que até foi ridicularizado pelos media?" ou que "há pessoas que querem noticias falsas, que querem políticos que dizem falsidades”. Como se combatem? Dizendo: "não! Esta pessoa está a mentir." Deve-se tratar aquele acontecimento, como se tratam os "mais sérios". Não se pode é criar uma categoria de “ridículo” e não dizer às pessoas que aquilo é falso. Temos de dizer ao público que é falso e explicar porquê. Não creio que as redes sociais morram de amores pela verdade. O que querem é fazer dinheiro. Perceberam foi que, com a eleição de Trump, esses "factos alternativos", essas mentiras, serviram para o catapultar para a presidência. Muitos dos assuntos que estão na ordem do dia, nas redes sociais e nos media são, muitas vezes, indiferentes ao que se passa no resto do País. E isso não é evidente para quem trabalha as notícias.

Os leitores querem saber de coisas que não interessam aos jornais? Os temas do Correio da Manhã, que é o mais lido em Portugal, não são os mesmos que se encontram no Público ou no Expresso...
Não concordo com quem ridiculariza o Correio da Manhã. O formato tablóide tem as suas especificidades. Não quero que o Público, DN ou Expresso sejam tablóides. O CM é-o e é muito bem feito, embora com transgressões. Por exemplo, quando trata e mostra a criminalidade, aquilo é o País que temos. Portugal não é um País de brandos costumes! Há todo o tipo de crimes! Aquele formato atrai as pessoas. Quem raio somos nós para decidir que as mais de 100 mil pessoas que, todos os dias, compram o CM são ignorantes? Os tablóides existem em todos os países e podemos criticá-los, mas não os podemos ridicularizar só porque são diferentes daquilo que mais gostamos ou andamos a fazer. Agir assim, é terreno fértil para colocarmos à margem os leitores que, quando conjugados, podem criar fenómenos como o de Trump ou o Brexit.

E na Europa? Marine le Pen e a Hungria?
Não sou analista político. São países diferentes, pessoas diferentes e os mecanismos que estão por detrás são completamente diferentes e é perigoso comparar países que são tão díspares. Não quero acreditar que, por Trump ter sido eleito, agora haja uma vaga de nacionalismo e populismo a varrer a Europa. Mas o fenómeno le Pen já vem do pai dela! Não é novo. O que é preciso é que os políticos percebam que não é ridicularizando e colocando à margem os populistas que se consegue combatê-los. Não! É preciso desmontar o que dizem e explicar que o que lhes sai da boca é mentira. O mesmo acontece com os jornais. Quando o "economês" dominou, há uns anos, o discurso, houve muitos problemas de entendimento. Eu próprio, quando leio notícias de cariz económico, fico sem conseguir perceber o que é o "lixo", o rating, a dívida a curto prazo...

Seguiu o Congresso dos Jornalistas?
Não fui e confesso que não acompanhei muito. Mas há um ponto, dos vários da deliberação final, que concordo. É a questão de os jornalistas não serem meros pés de microfone. Foi uma excelente decisão que, espero, seja levada à prática porque me irrita ver jornalistas a irem a uma sessão onde nos dizem que não há direito a perguntas. Podia mandar-se para lá uns autómatos com microfone! Tenho, porém, de elogiar um caso na imprensa regional, o Jornal de Barcelos, que mandou uma equipa de repórteres a uma conferência de impressa do PS e, como não os deixaram fazer perguntas, deixaram a página em branco e explicaram porquê. É preciso ter coragem para isso, mas só assim se vai lá. Acontece o mesmo nas conferências de imprensa de futebol, mas aí é porque as perguntas são sempre as mesmas. Ou quando os jogadores e treinadores se recusam a responder. São os jornalistas quem define as perguntas e os ângulos a abordar. O jornalista está a fazer o seu trabalho! Gosto de ver jornalistas competentes, mas o que tenho notado é que existe uma cada vez maior precarização dos jornalistas. Não é uma vista ideológica porque não sou de esquerda... dentro de uma redacção, haver ordenados cada vez mais baixos é muito perigoso para a qualidade do jornalismo. O jornalismo não é uma profissão como todas as outras. É altamente especializada e se pagarmos mal a quem vai para o terreno, não se conseguem os melhores profissionais e a qualidade da informação vai sair mais fraca e temos visto isso acontecer todos os dias, com notícias com erros. Actualmente, os directores são bem pagos os editores mais ou menos, e os jornalistas, à excepção daqueles que já têm uma longa experiência, são todos mal pagos.

E os jornalistas que têm de saber escrever para o papel, digital, fazer edição de áudio e vídeo...
O jornal i surgiu, há tempos, com a ideia de que o jornalista iria para campo com uma mochila às costas com câmara num capacete, com computador... isso não é possível. É de um amadorismo tão grande pensar que um jornalista consegue fazer isso tudo. Até poderia fazer, mas vai fazer mal. E há uma estrutura diferente do online para o papel? A única diferença no online é que se fazem títulos bombásticos para a pessoa clicar e vender publicidade. A televisão, a rádio e a imprensa escrita e online são todas diferentes e não podemos ter jornalistas a ganhar o ordenado mínimo. Claro que, depois, se pode questionar: "se os jornalistas são bem pagos, como é que os jornais se sustentam?" É a pescadinha de rabo na boca. Se não houver um bom produto, as pessoas não compram! E é uma falácia dizer que os leitores agora querem textos pequenos e grandes fotografias. Quem é que fez, em Portugal, um estudo sério que tenha levado a essa conclusão? É preciso que alguns núcleos de jornalismo mantenham independência, mesmo os projectos de empresas privadas. Caso contrário, o que acontece é que temos o Marques Mendes na SIC que vai lançando novidades, que nós não sabemos se são fake news, se são ou não interesses próprios, porque há menos capacidade económica para os jornalistas andarem a investigar as mentiras.

Como seria uma Capital Europeia da Cultura ideal?
Uma capital europeia da cultura, onde tudo o que fosse feito fosse para perdurar. Se é para repetir o modelo do Euro 2004, não vale a pena. Ficámos com um estádio, um mamarracho que dá nervos quando volto a Leiria. Era implodir aquilo! Tínhamos um estádio com árvores e um pavilhão municipal onde eu joguei andebol, e agora temos lá uma “casa-de-banho”, que não serve para nada. Se for para construir infra-estruturas e criar acessos apenas para a realização de uma festa chamada Capital Europeia da Cultura, não vale a pena. Veja-se o caso da Expo. Houve coisas más, mas não deixou de ser algo que perdurou. Penso que o Polis de Leiria derrapou bastante no orçamento, mas resultou para o futuro. Claro que, nos anos fundamentais de 80 e 90, em vez de se ter restaurado o centro histórico deixou-se degradar e apostou-se numa zona envolvente com prédios sem ligação à cidade e sem vida de bairro. São guetos, são condomínios sem vida. 

Perfil
Adorei crescer em Leiria”

Nasceu em Évora, há 38 anos, porque os pais eram de Borba, mas viveu quase toda a juventude em Leiria. Acompanhou os progenitores para Moçambique e aos dois anos mudou-se para a cidade do Lis onde o tio criou uma oficina e convidou o resto da família a ir para lá. "Adorei crescer em Leiria. Joguei na Juventude Desportiva do Lis, tive amigos óptimos. Gostei mesmo muito de ter vivido lá. Íamos para o Pedrogão... as maluqueiras da juventude eram feitas de uma forma muito saudável. Gosto da cidade, mas não posso dizer que me sinto de Leiria porque não nasci lá. Também não faço ideia onde estão as minhas raízes. Gosto cada vez mais de voltar à cidade." João Pombeiro afirma ainda que "Leiria está cada vez melhor, no sentido arquitectónico e de vida do dia-a-dia.” Estudou Comunicação Social no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas mas não foi lá que se sentiu preparado para trabalhar em jornalismo. "O jornalismo não é escrever bem. É escrever de forma a que as pessoas entendam e ir à procura das histórias, investigar factos e ter curiosidade." O traquejo conseguiu-o com a experiência em publicações, como a revista LER, onde foi director. Antes foi liderado por Joaquim Vieira, na Grande Reportagem, foi editor da Notícias Sábado, que saía com o JN e DN, e após sair da LER criou a Cabide. Depois a editora Reverso. "Ser editor é a minha zona de conforto... ou desconforto, que me permite criar estes projectos."

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