Sociedade

Helena Freitas: “A interioridade está presente em muitos contextos urbanos e do litoral”

25 mai 2017 00:00

Coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior diz que o País “não pode continuar a desperdiçar dois terços do seu território”.

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Maria Anabela Silva

Tem passado o último ano a percorrer Portugal de Norte a Sul, de Oeste a Este no âmbito da Unidade de Missão para a Valorização do Interior. Que retrato faz do País?

Portugal é um País extraordinário. Pela minha formação em biologia e ecologia, já tinha consciência da diversidade dos territórios, mas agora percebo, de forma muito mais objectiva, essa diversidade e penso na estratégia das políticas de forma muito territoralizada. O País está a mudar muito mais depressa e mais profundamente do que a percepção que os portugueses têm. Temos alguma preservação da integridade do território, do património natural e dos produtos endógenos, que representam hoje um valor extraordinário, e pessoas muito resilientes nos território, que mantêm a identidade e a querem preservar. Aparecem cada vez mais jovens e estrangeiros com interesse e disponibilidade para descobrir este Portugal diferente, com qualidade, que oferece oportunidades. Estamos num momento de viragem.

O interior não está, então, condenado?

De maneira nenhuma. Enquanto coordenadora da Unidade de Missão para a Valorização do Interior, não quero colocar o interior contra o litoral nem o contrário. Concordo com aqueles que dizem que a interioridade está presente em muitos contextos urbanos e do litoral, mas todos percebemos que há uma parte do território que apresenta indicadores sociais e económicos que nos obrigam a olhar para ela de forma diferenciada. São dois terços do território com indicadores que, ao nível do envelhecimento, empobrecimento, rendimento médio das famílias e de acesso a infra-estruturas e a serviços, estão claramente mais limitados do que no litoral. O que temos de fazer é promover a coesão, encontrando soluções que promovam a articulação entre litoral e interior. O País é demasiado pequeno para que não seja entendido de forma ampla. Esta dicotomia litoral/interior é um absurdo total, num país com pouco mais de 200 quilómetros entre o mar e a fronteira oposta.

Do retrato que tem tirado ao País, o que mais a surpreendeu pela positiva e pela negativa?

Mais do que conhecer melhor o território, tenho tido a oportunidade de tentar, juntamente com as entidades que estão nos territórios, encontrar soluções para reforçar o potencial que já existe e reequilibrar o País. Combater as assimetrias é um desígnio colectivo. Uma obrigação de todos. Destaco, como o aspecto mais positivo, as pessoas, a sua qualidade, generosidade e genuinidade. Portugal tem nas pessoas o seu melhor activo. Essa confirmação tem sido gratificante. Temos um país bonito, diverso, com paisagens deslumbrantes. Isto é outro activo. O mais negativo é a incapacidade que ainda temos para trabalhar em conjunto, para combater as fronteiras, articular decisões e estabelecer redes colaborativas, que são absolutamente essenciais. Também sinto como particularmente crítico o envelhecimento dos territórios e a falta de acesso a serviços públicos. O acesso à educação e a competências é hoje o factor mais relevante de desigualdade no País.

Nesse aspecto há grandes diferenças entre litoral e interior?

Absolutamente. Refiro-me, por exemplo, à dificuldade de muitos jovens para terem acesso à escolaridade obrigatória nos concelhos onde residem. Os quilómetros que têm de fazer diariamente, a dificuldade de acesso a competências como o inglês ou a um conservatório de música. Outro dos problemas gritantes de desigualdade é o acesso aos serviços públicos. Com populações envelhecidas, cada vez mais isoladas nos territórios, importa garantir-lhes acesso à saúde para que não tenham de ir de táxi fazer análises e levantá-las ou para uma consulta. Isto é intolerável.

É uma equação difícil de resolver: decresce a população, fecham-se serviços porque não há pessoas suficientes que os justifiquem. Mas, fechando serviços, não há como atrair novas pessoas.

De facto, não é fácil. Mas o Estado tem a obrigação de manter serviços públicos mínimos, até por uma questão de soberania. O Estado não pode abandonar os territórios e as pessoas que aí residem ou que aí querem residir. Há áreas em que os recursos técnicos necessários não se compadecem com zonas demográficas muito deprimidas. É preciso encontrar soluções de partilha e fazer escolhas. Isso obriga a que alguns estejam disponíveis para abdicar em favor de um interesse maior: encontrar soluções que sirvam a todos. Não só não temos esse hábito, como a configuração administrativa do País está desajustada.

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