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Fernão Lopes em inglês. Especialistas sublinham importância da edição que é apresentada amanhã na Batalha

18 out 2023 09:15

Lançamento ocorre no contexto da conferência internacional Arquitecturas da Alma e pode potenciar a investigação, a visitação do Mosteiro e o interesse pela História de Portugal

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Cinco volumes e ligação com base de dados online
DR

Pela primeira vez, as crónicas de Fernão Lopes estão disponíveis em inglês e o lançamento em Portugal acontece esta quinta-feira, 19 de Outubro, pelas 19 horas, no Mosteiro da Batalha, durante a conferência internacional “Arquitecturas da Alma”, promovida pelo Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa.

Os responsáveis pelo projecto – que reúne colaboradores de Portugal, Inglaterra e Estados Unidos – acreditam que a edição vai potenciar a pesquisa e o ensino em universidades estrangeiras por conferencistas, professores e investigadores americanos e ingleses, e contribuir para a investigação internacional em Estudos Medievais, além de reforçar o interesse na História de Portugal.

“Terão uma divulgação ímpar e serão uma revelação para muitos investigadores e interessados na temática”, comenta o director do Mosteiro da Batalha, Joaquim Ruivo. “No que se refere sobretudo à Crónica de D. João I, é de crer que a sua leitura impulsionará a vontade de muitos para conhecer os lugares dos acontecimentos aí descritos, bem como dos personagens aí referidos, lugares e personagens que inevitavelmente os conduzirão ao campo de Aljubarrota e à Batalha”.

Notas interactivas

Anunciada como a primeira tradução completa para inglês das crónicas de Fernão Lopes, cronista-mor do reino de Portugal durante 20 anos no século XV, que escreveu sobre os séculos XIV e XV, a obra, coordenada por Amélia Hutchinson, é constituída por cinco volumes com o título The Chronicles of Fernão Lopes. Quatro são dedicados às crónicas em tradução, precedidas de introduções e estudos originais da autoria de especialistas nacionais e estrangeiros. O quinto inclui a bibliografia e o índice remissivo, que não existia até à data. No endereço digital fernaolopes.fcsh.unl.pt, está acessível uma base de dados com função semelhante à de notas interactivas, da responsabilidade do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa.

Era frequente, em congressos internacionais de Estudos Medievais, ouvir os nossos colegas anglófonos perguntar: mas porque é que ainda não há uma tradução das crónicas de Fernão Lopes?”, explica ao JORNAL DE LEIRIA Amélia Hutchinson, editora geral da obra. “Fernão Lopes é um dos maiores cronistas medievais da Europa Ocidental. É importante que a sua obra seja divulgada entre a comunidade académica internacional como um valioso contributo para a investigação em inúmeras áreas de investigação em Estudos Medievais. Isso só é possível através de uma tradução integral para a língua franca da nossa era ‒ o inglês”.

Conferencistas, professores e investigadores americanos e ingleses lamentavam regularmente a impossibilidade de aceder, em inglês, aos textos de Fernão Lopes, para fins de pesquisa e de ensino nas aulas de história em universidades estrangeiras. “A insistência era tal que no Congresso Internacional de Estudos Medievais de 2005, organizado anualmente pela Universidade de Western Michigan, aceitei o desafio, e resolvi contactar a professora Teresa Amado (Universidade Clássica de Lisboa), reconhecida especialista em estudos lopesianos, que à data também começava a planear uma tradução. Reunimos esforços, conseguimos atrair um grupo de medievalistas e tradutores falantes nativos de inglês, mas familiarizados com o português medieval, e embarcámos neste projecto”.

“A tradução só foi conseguida graças à tecnologia digital de que agora dispomos: internet, processadores de texto, bases de dados, email, etc”, esclarece a professora da University of Georgia e investigadora da Universidade Nova de Lisboa. “Deste modo se facilitou a circulação dos vários rascunhos e revisões dos cerca de 600 capítulos traduzidos, entre colaboradores em Inglaterra, Estados Unidos e Portugal”.

“A importância é enorme”

A edição Tamesis (chancela da Boydell & Brewer) obteve financiamento junto de organizações internacionais como o National Endowment for the Humanities e o Willson Center for Humanities and Arts da University of Georgia, nos Estados Unidos, e a University of Birmingham e a Anglo-Portuguese Society, no Reino Unido, além da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e o Instituto Camões, em Portugal.

“A importância” da edição das crónicas em inglês “é enorme”, considera Amélia Hutchinson, com impacto no estudo da Europa dos séculos XIV e XV, uma vez que Fernão Lopes é uma fonte essencial desse tempo. “As crónicas de Fernão Lopes preservaram para o leitor moderno todo um universo da realidade das décadas de 1350 a 1410, com grande minúcia de detalhes sobre multiplos aspectos da vida medieval, não só da corte mas também do homem comum, o que é mais raro de encontrar em crónicas coevas”.

“Estamos em crer que doravante, quando abrirmos um novo volume de um autor estrangeiro tratando de questões da história da Península Ibérica e da Europa Ocidental”, comenta Amélia Hutchinson, “iremos encontrar Fernão Lopes citado nas notas e respectiva bibliografia”.

Divulgar a História de Portugal

A edição pode, por outro lado, reforçar o interesse dos investigadores na História de Portugal, acredita a coordenadora. “Estamos certos de que irá evidenciar a importância da História de Portugal, país geograficamente pequeno, mas respeitado entre seus pares e participante em muito momentos cruciais da História da Europa”.

“É um marco na nossa historiografia”, acrescenta Joaquim Ruivo, que considera Fernão Lopes “um dos maiores cronistas do seu tempo”. Preenche-se, assim, “uma lacuna que marcava a historiografia medieval europeia, até por comparação, por exemplo, com as obras do cronista castelhano Pedro Lopez de Ayala, ou do francês Jean Froissart, amplamente traduzidas e citadas”.

O director do Mosteiro da Batalha nota que Fernão Lopes se destaca “por avanços significativos relativamente aos seus predecessores, no que diz respeito à objectividade, à preocupação em verificar os acontecimentos mais recentes e à qualidade literária”.

Por outro lado, sobretudo, na Crónica de D. João I, que abrange a crise de 1383-1385 em Portugal, a batalha de Aljubarrota e a consolidação social de “uma nova geração de gentes”, lembra Joaquim Ruivo, “os acontecimentos aí relatados integram-se nesse vasto conflito europeu que sublevou a Europa durante décadas, a célebre Guerra dos 100 Anos”.

Próximas apresentações

Para o director do Mosteiro da Batalha, o lançamento em Portugal da edição em inglês das crónicas de Fernão Lopes encontra a oportunidade e o lugar ideais: no contexto da conferência internacional “Arquitecturas da Alma” e no espaço que é panteão régio dos personagens que viveram e marcaram os tempos descritos pelo cronista, a chamada Ínclita Geração.

Depois dos Estados Unidos, na Embaixada de Portugal, em Setembro, e da sessão desta quinta-feira, na Batalha, há já uma apresentação agendada em Novembro, na Embaixada de Portugal em Londres. Para Maio de 2024, estão organizadas comunicações e uma mesa redonda no Congresso Internacinal de Estudos Medievais da Universidade de Western Michigan nos Estados Unidos, considerado o maior congresso mundial de Estudos Medievais da actualidade.