Viver

Feios, porcos e maus? Isso era dantes!

17 mai 2018 00:00

Estética | Após as barbas revolucionárias do pós-25 de Abril, no final do século XX e primeira década do XXI, em Portugal, os homens lutavam contra a barba de dois dias e por ter a cara bem escanhoada. Hoje, já não é assim

Jacinto Silva Duro

As barbas quase têm personalidade própria e, tal como as tatuagens e os piercings, ganharam status e afirmação

Os homens de hoje mostram-se mais vaidosos, orgulham- se do seu aspecto, e as barbas e bigodes voltaram às caras, cuidados, aparados e encerados, como no tempo de Eça. São tratados como se fossem os mais belos bonsais. Todos os dias se apara um galho aqui, tira-se uma folha ali, rega-se com alguns mililitros de água e fala-se com eles.

Evita-se o crescimento desgrenhado, hirsuto e caótico de uma barba mal cuidada. Às barbas e bigodes, aliaram-se as tatuagens e piercings, como definidores de um certo statuse opção por um modo de vida alternativo.

A pensar nesta tendência, o Mercado de Sant’Ana, em Leiria, vai acolher, este fim-de-semana, o Tattoo Artes 2018, onde serão celebradas as mais recentes novidades deste fenómeno.

Actualmente, quem tem pêlos faciais em profusão quer que sejam aprumados, curtos ou compridos, encaracolados ou lisos, e sempre bem hidratados.

Na casa-de-banho, as prateleiras do homem, que dantes estavam decoradas apenas por espuma, lâminas de barbear e um ou outro creme hidratante solitário, vão-se enchendo de produtos de champôs, séruns para a barba cremes hidratantes diários e nocturnos, que amaciam e perfumam.

"Não ter barba para fazer, deu um grande descanso ao homem. O ritual de cortar a barba, de ter a pele cuidada era um compromisso que nos martirizava um pouco. Não é uma coisa de moda, mas há uma tendência de andar com uma barba de três ou quatro dias ou, em alternativa, ter uma 'barba de lenhador', mais evidente, com quatro, oito meses ou um ano, ao mesmo tempo que se nota um cuidado grande em não ter uma apresentação descuidada", diz Patrice Gaspar, 35 anos, proprietário d'O Barbeiro de Leiria, um dos participantes no Tattoo Artes.

Flávio Duarte abriu uma barbearia na Marinha Grande, que também é um bar. Quem vai ao Barba Negra, pode aproveitar para aparar cabelo, bigode e barba, ou, simplesmente, colocar a conversa em dia, enquanto saboreia um gin, café ou cerveja.

“Quem for dotado musicalmente, também pode tocar guitarra ou passar os dedos pelo teclado de um piano”, explica o barbeiro que, entretanto, expandiu o negócio para Leiria e que também participará no Tatoo Artes. “Um homem, quando deixa crescer a barba e cuida dela, gosta de a ver e de se ver ao espelho. Adapta a sua imagem à sua barba”, assegura e adianta que até os homens calvos optam por rapar a cabeça e ter barba mais composta. Uma barba diferente e bem cuidada, leva também à mudança do modo de vestir.

Cortes de roupa mais clássicos ou mais vanguardistas são escolhidos de acordo com a configuração do pêlo facial. E quando este é ralo, há sempre a hipóstese de fazer uma pigmentação. Pintar cabelo e barba é algo que não é comum. “Os homens ostentam os seus cabelos e pêlos de barba brancos. Dão charme. Mas já tive quem me pedisse para pintar a barba… de azul”, recorda o proprietário do Barba Negra.

"Deixar crescer o pêlo é fácil”
Patrice Gaspar, que ostenta uma barba cuidada "de 15 dias”, sublinha que conseguir a aparência certa para a barba e bigode dá muito trabalho. A tarefa começa com uma sessão de visagismo, para que a aparência seja feita em função do rosto. Ovais, quadrangulares, triangulares, cada cara precisa de um tipo de barba ou de bigode diferentes. "Deixar crescer o pêlo é fácil, é só esperar. Mas é preciso o toque de artista e perceber o que o cliente procura".

E é preciso também perceber, em função da profissão ou da rotina quotidiana, qual a melhor configuração da barba e do gosto pessoal. "Se tem contacto com o público, no dia-a-dia, uma barba não pode transmitir desleixo", afirma, ressalvando que também há clientes que não se adaptam à barba e aos cuidados a que ela obriga.

O barbeiro que oferece um serviço completo com toalhas quentes e massagens indianas, calcula que serão necessários cerca de 25 euros por mês para cuidar do pêlo facial e adianta que os gostos em Leiria, em termos de culto da barba, não são arrojados, nem inovadores.

Tatuagens e piercings
Pedem que lhes tatuem os nomes dos filhos e netos na pele, símbolos do infinito e do Ying-Yang e os desenhos ocupam cada vez mais área. Deixaram de ser discretos, gritam para que os vejam e admirem.

Nos braços, costas, pernas e dedos aparecem flores, geometrias, aguarelas (watermark) e a pele é uma enorme tela, onde é permitido ao tatuador manifestar a sua arte. Teresa Rufino, tatuadora e piercer há 14 anos, diz que "as pessoas gostam de mostrar os desenhos que têm na sua pele. Embelezam o corpo com elas. Estão, também, mais e mais exigentes. Quando comecei, as pessoas espantavam- se com quem tinha tatuagens. Hoje, espantam- -se com quem não tem. Se não tens uma, não estás na moda".

Quando começou a actividade, a proprietária da Seven Tatoo, empresa que organiza o Tatoo Artes 2018, quem fazia uma tatuagem, guiava-se pelos livros com desenhos que o tatuador guardava no seu estúdio, mas, hoje, já não é assim.

"Folheavam, folheavam e, quando encontravam uma, perguntavam a nossa opinião. 'É gira, não é? Quero esta!'" Normalmente, há dois tipos de clientes para as tatuagens. Aqueles que querem um desenho, mas não sabem o quê e o tatuador tem de propor e ajudar a fazer um esboço.

"Usamos muito a internet nesta parte. Até a pessoa ter a certeza do que quer fazer, vamos trabalhando o projecto", diz Eduardo Moreira, também da Seven Tattoo. O outro tipo de cliente chega já com uma ideia muito bem definida do que pretende. "Há pessoas com cada vez mais idade a fazer tatuagens dedicadas aos filhos e netos", avança. Quando a tatuagem cansa ou não agrada, há dois caminhos a seguir: ou removê-la, através de aplicação de raio laser, ou fazer uma nova para tapar a antiga.

E quando se gosta de tatuagens, porquê parar aí? Por que não complementar com mais um acessório de moda corporal? Por que não um piercing? "Na Seven Tattoo, temos um dia ou dois por ano dedicados ao piercing, onde praticamos preços mais apetecíveis", explica Eduardo Moreira. Orelhas, umbigo, língua, sobrancelhas e mamilos são os locais mais comuns para embelezar com um piercing.

 

Eduardo Moreira e Teresa Rufino, organizadores do Tattoo Artes 2018
“Há uma cultura diferenciadora de estar e de ser”


 

Como surgiu a ideia de criar o Tattoo Artes, o evento destinado às tatuagens, barbas, cabelos e piercings, que se realiza no Mercado de Sant’Ana, entre 18 e 20 de Maio? Eduardo Moreira - Desde que abrimos a Seven Tattoo - a empresa já tem 13 anos, mas tinha outro nome antes -, quisemos fazer coisas diferentes na área. Leiria é um local onde acontecem muitas exposições, concertos e outros eventos, mas faltava algo. Acreditamos que, neste momento, justifica-se criar este evento, que queremos anual, porque há, na região muitas casas a fazer tatuagens, piercings e a tratar de barbas e cabelos.

É, então, um evento que alia várias artes ligadas ao corpo?
Eduardo Moreira -
São áreas que se complementam. Não queríamos ter apenas tatuagens, porque áreas como a barbearia também estão ligadas à questão da imagem pessoal. Há uma cultura diferenciadora de estar e de ser.
Teresa Rufino - Está em voga as casas de tatuagens aliarem-se, por exemplo, a um barbeiro. É um conceito que trata da arte e de usar a pele do corpo como tela.

Quantos participantes vão estar no Tattoo Artes?
Eduardo Moreira - Vão estar 11 casas de tatuagens, de Leiria, Marinha Grande, Vieira de Leiria, Pombal, Alcobaça, Lisboa e Tomar. Ao vivo, vamos ver pessoas a fazer tatuagens, a tratar das barbas… A entrada é gratuita!

E uma passagem de modelos, com a nova colecção da estilista Kristine?
Eduardo Moreira -
Sim, coincidirá com a apresentação das novas criações de Primavera-Verão da Kristine. Também teremos a Pullover, de Leiria, que também levará roupas mais alternativas.
Teresa Rufino - Tínhamos pensado ser a Seven Tattoo a fazer a passagem de modelos, mas acabámos por falar com a Kristine e ficou decidido que seria ela. Haverá, então, três casas com roupas, a nossa, a Kristine e uma de Alcobaça, que vai complementar o stand de um tatuador daquela cidade.

Quem for ao evento, o que vai encontrar?
Eduardo Moreira -
Tudo à volta das tatuagens e roupas. Vamos ter flash tattoos, cujo preço ronda os 80 euros e que serão realizadas por 30. Quem ainda não tem ou quem quiser fazer mais uma, poderá fazê-la. Também haverá piercings em conta... e a possibilidade de ver ao vivo vários artistas a fazer o seu trabalho. De Leiria, vai o Steve, da Tribos Urbanas, o Bee Happy, o Raul Moreira, que é o Nine Tattoo, da Vieira de Leiria, o Orlando Tattoo, que é da Marinha Grande... entre outros.
Teresa Rufino - Teremos também música ao vivo, com bandas de Leiria e Pombal. No sábado à noite, às 21:30 horas, toca o Rapaz Improvisado e de Leiria, no domingo, às 16 horas, tocará a banda Rua Direita. Além disso, teremos também, no domingo à tarde, uma pequena oficina intitulada O primeiro bigode, pelo Barbeiro de Leiria (Patrice Gaspar), para jovens dos 14 aos 18 anos, e vamos ensinar a cobrir tatuagens com maquilhagem. Na sexta-feira, dia 18, às 18 horas, haverá também um casting para modelos, pela Fashion Studio, cujas modelos vão desfilar, às 22 horas, com as roupas da Kristine.