Entrevista

ENTREVISTA | Jorge Gaspar: “Portugal caminha para o suicídio pela via demográfica”

31 mai 2019 00:00

Geógrafo e urbanista, considera que “é criminoso o que se fez à ferrovia em Portugal” e que a opção pela rodovia “teve efeitos tremendos no ordenamento do território”.

Maria Anabela Silva

Dedicou toda a sua vida profissional e académica às questões do ordenamento. Partilha da opinião de que em Portugal tem faltado eficácia ao ordenamento do território?
Portugal tem nove séculos de história e nem sempre se assistiu ao laissez faire, laissez passez. Em determinados momentos, houve uma preocupação muito grande com o ordenamento do território. Nos últimos 30 anos, que coincide com a entrada na União Europeia (UE), temos tido melhores práticas, devido ao normativo comunitário, que obriga ao cumprimento de determinadas normas que têm, por exemplo, que ver com a água, com a energia ou com as acessibilidades, áreas muito importantes para o ordenamento do território. Ao nível das acessibilidades, tivemos bons e mais resultados.

Pode exemplificar?
O exagero que houve na rodovia foi muito pernicioso para o bom ordenamento do território. As auto-estradas faziam falta, mas, para as fazermos, desinvestimos na ferrovia. O abandono da ferrovia é uma das grandes tragédias do País. Espanha está a caminho de ter uma rede totalmente de alta velocidade e nós não temos. Ficámos isolados da Europa, não só ao nível do transporte de passageiros, mas também de mercadorias. Esta é uma das grandes fragilidades do País. É o efeito colateral da opção pela rodovia, uma opção que favoreceu a indústria automóvel e teve efeitos tremendos no ordenamento do território. A ocupação das cidades, o tipo de crescimento urbano e a maior dispersão urbana só foi possível com a generalização do acesso ao automóvel. Podíamos ter optado pela recuperação da ferrovia em vez do seu abandono. É criminoso o que se fez à ferrovia em Portugal.

Referiu que, nas últimas décadas, tem havido uma preocupação “muito grande” com o ordenamento do território. Que melhorias destaca?
Houve um grande avanço no ordenamento do território ao nível municipal, que é a chave de um bom ordenamento. Por muitas críticas que façamos, temos de reconhecer as melhorias. A situação é hoje muito diferente do que era há 40 ou 50 anos. Temos hoje uma cobertura generalizada do País com todos os instrumentos de nível municipal. Há erros, mas estes não resultam tanto da prática urbanística, mas sim de disfunções do sistema, em grande parte comandadas pela corrupção. Num país que não tem muitas formas de produzir e distribuir riqueza, a valorização artificial do território, ao nível dos loteamentos e das expansões urbanas, provoca muito desordenamento. Não podemos também ignorar as características da propriedade, com o predomínio do minifúndio e a dispersão rural. Isso orienta para um crescimento mais desordenado. Se uma pessoa tem um terreno, com acesso a uma via, é normal que, por questões afectivas e até económicas, queira que o filho faça ali a sua casa. A componente cultural do nosso território também tem contribuído para algum desordenamento. Há uma série de características do território que favorecem a urbanização difusa.

Quando se fala em desordenamento, os autarcas aparecem, muitas vezes, como os 'maus da fita'. Temos hoje autarcas mais sensibilizados para as questões do ordenamento?

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