Entrevista

Entrevista | Fernando de Almeida: Em Portugal "podemos voltar a ter malária"

23 abr 2018 00:00

Presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, diz que as alterações climáticas "serão uma das grandes preocupações de futuro da saúde pública".

Maria Anabela Silva

Quais os grandes desafios da saúde pública no presente?

São, clara e inequivocamente, os desafios ligados às doenças crónicas. Àquelas que chamamos as doenças não transmissíveis. Portugal fez um esforço enorme, confirmado nos dados do recente retrato da saúde publicado pela tutela e pela Direcção-Geral da Saúde, nas doenças transmissíveis, e nas áreas das cirurgias e ao nível dos cuidados hospitalares e de saúde primários. Fizemos também um esforço fabuloso nas áreas das morbimortalidades. Hoje, a qualidade da nossa sociedade enfrenta três ‘problemazinhos’: tabagismo, diabetes e obesidade, que são doenças relacionadas com os comportamentos. Temos uma esperança média de vida que é das melhores da Europa, mas as condições em que chegamos a determinada idade não são as melhores. É esse o investimento e o desafio que Portugal tem para os próximos anos.

As alterações climáticas também são uma potencial ameaça à saúde pública?

São. As alterações climáticas favorecem o aparecimento de patologias onde não era normal. Um exemplo: o ébola era em África, mas já apareceu em Espanha um caso importado. O dengue já foi identificado na Madeira. Em Portugal já tivemos malária e conseguimos erradicá-la, mas podemos voltar a ter. O Instituto [Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge], através do programa REVIVE, que é uma rede de vigilância epidemiológica, faz a avaliação de vectores - carraças e mosquitos, - que permite detectar mosquitos que transmitem vírus como o chicungunha, zika ou dengue. No ano passado, detectámos numa empresa importadora de pneus mosquitos designados por Aedes, que são vector dessas doenças. Isto não quer dizer que a doença esteja cá. Mas o mosquito já está. Se houver alguém que venha infectado e for picado por algum desses mosquitos, estes infectam e começam a transmitir. As alterações climáticas serão uma das grandes preocupações de futuro da saúde pública.

Que novas doenças poderemos esperar na Europa em consequência do aumento da temperatura?

Claramente as doenças de origem tropical, como malária, dengue ou zinka. Calor e humidade são condições que, claramente, favorecem o aparecimento dessas patologias, o que exige que estejamos muito atentos. E não é só por causa do clima. Também por causa do trânsito de passageiros que existe actualmente, com as migrações e movimentos de pessoas.

Já foi identificada a presença do mosquito responsável pelo vírus da dengue na Madeira. É uma situação que deve merecer preocupação das autoridades de saúde?

Preocupação não, mas sim atenção. E estamos atentos a isso. A rede de vigilância de vectores é um exemplo disso, envolvendo o instituto com as Administrações Regionais de Saúde e técnicos de saúde ambiental, que fazem a recolha no campo. Portugal encontra-se perfeitamente protegido em relação a estas matérias. Não podendo evitar, se ocorrer, temos capacidade de resposta.