Entrevista

Entrevista | Carolina Pereira, investigadora e historiadora: “Caldas deve muito da sua cultura aos refugiados”

30 nov 2017 00:00

A jovem escolheu, como tema para a dissertação de mestrado, os refugiados da II Guerra Mundial, nas Caldas da Rainha, entre 1940-46. Neste momento, está a iniciar um doutoramento onde aborda a temática do “refúgio.

Jacinto Silva Duro

Apresentou recentemente um estudo que fez sobre a comunidade de refugiados que viveram em Caldas da Rainha entre 1940 e 1946, no Colóquio Internacional de Diálogos Luso-Sefarditas. É uma investigação que vai dar origem a um livro?
Sim, é baseado na minha Dissertação de Mestrado. Espero que saia em Dezembro e vai ter como título Refugiados da Segunda Guerra Mundial nas Caldas da Rainha (1940-1946). Vai ser uma edição da Colibri e a Câmara Municipal de Caldas da Rainha viabiliza a publicação. Como apresentei parte do meu estudo nesse colóquio, só me foquei nos refugiados judeus, que eram cerca de 90. Mas o número de refugiados era maior.

Para as pessoas de Caldas, todos eles eram "estrangeiros", sem diferenciação de origem e religião?
Exacto, para eles, eram estrangeiros. Na Gazeta das Caldas, encontrei muitas vezes essa denominação e há um ou dois artigos onde se usa mesmo a palavra "refugiados". Foram cerca de 15 notícias publicadas em 20 ou 30 anos. Na verdade, quanto mais depressa os refugiados se fossem embora, melhor para o regime. Portugal não foi um país de exílio, foi um país de trânsito. As pessoas chegavam, mas tinham de ir embora passado pouco tempo.

Porquê? Os Estados Unidos beneficiaram muito com esses refugiados.
Há que desmistificar uma coisa. É verdade que os EUA foram um país de exílio, mas também dificultaram muito a entrada de refugiados. A certa altura, os EUA criaram quotas de entrada e fechavam as fronteiras quando esse limite era ultrapassado. A ideia de que eles receberam todos de braços abertos não é correcta. Sempre que puderam, criaram dificuldades. Curiosamente, foi por um país anti-democrático, anti-comunista, anti-liberal, pobre, isolado e ditatorial que os refugiados conseguiram sair. Fomos uma rota de saída da Europa. Irene Pimentel diz que, em Portugal, era "melhor ser-se refugiado político do que refugiado judeu". A presença deles em território português só foi possível porque havia uma ausência de anti-semitismo. Havia anti-semitas, mas eram poucos. Salazar e a PVDE [antecessora da PIDE] não queriam cá refugiados, no entanto, o ditador sabia que, quando a guerra terminasse, os Aliados iriam olhar para ele com bons olhos. O acolhimento foi feito pelas populações locais, nas Caldas da Rainha, na Ericeira, no Luso, no Estoril, na Anadia, na Curia, na Figueira da Foz. O Estado Português, sempre que pôde, criou entraves à sua entrada e presença.

Actualmente, há descendentes dos refugiados?
A última refugiada de Caldas da Rainha morreu em 2005. Era René Liberman, uma judia luxemburguesa de origem inglesa, que, em 1945, casou com um médico português que atendia aquela comunidade judaica, assumindo o apelido Costa e Silva. Os filhos moram em Lisboa.

Escreveu nos Cadernos de Estudos Leirienses que os "refugiados em Caldas da Rainha tiveram grande impacto económico, cultural e social" na cidade.
Salazar impediu a estada e a fixação dos refugiados porque temia a entrada de ideias cosmopolitas, vanguardistas e liberais, num regime ditatorial, que promovia a incultura, o não desenvolvimento, a pobreza e o isolacionismo. A presença dessas pessoas, que traziam ar fresco, poderia impregnar a sociedade de ideais que levariam à revolta. O que teria sido de Portugal, se os refugiados tivessem permanecido no País, após 1945? Teríamos sido uma ditadura até 1974? Provavelmente, não. Nas Caldas, as termas, vazias devido à guerra, foram ocupadas por essas pessoas. Salazar manteve-as longe de Lisboa. Ali, as estrangeiras iam sozinhas ao café, traçavam a perna, fumavam... isso era tudo mal visto, mas a presença dos refugiados fomentou o crescimento da região. O aumento populacional foi enorme e como eles não reclamavam dos preços, havia inflação. A população aprendeu muito com eles, porque, como o trabalho era interdito aos refugiados, eles torneavam a proibição dando aulas de ténis, música, línguas e boxe. Mudaram muito a comunidade. A cidade era mais cosmopolita do que muitas outras cidades do litoral, que não tiveram a presença dos refugiados. Caldas evoluiu muito com a presença dos refugiados. Viveu lá Papá Urso, um russo apátrida, que chegou a ter 300 pessoas, no pavilhão Rainha D. Leonor, a praticar ginástica. Levava-os, de bicicleta para a Foz do Arelho para fazer desporto. Só lá esteve de 1940 a 1941, mas, ainda hoje, é o refugiado mais conhecido da cidade, além de René Liberman. O cosmopolitismo de Caldas também está presente nos torneios de ténis. Era um desporto de elite na época. Em 1943, realizaram-se várias provas entre refugiados e caldenses, que resultaram em fortes amizades, mesmo após a guerra. Caldas deve muito da sua cultura aos refugiados.

Por que razão há um maior interesse pela cultura e legado sefardita em Portugal? É uma tentativa de fazer as pazes com o passado?
Portugal distingue-se porque tem uma série de museus judaicos. Há muitos descendentes luso-sefarditas, de vários países, a pedir a nacionalidade portuguesa. No fundo, são os  

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