Sociedade

Enquanto os políticos procuram bodes expiatórios, Ferraria de São João planta árvores contra fogos

28 jun 2017 00:00

Aldeia do xisto compromete-se em arrancar eucalipto e plantar vegetação natural de Portugal resistente aos incêndios.

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Jacinto Silva Duro

Uma faixa de sobreiros e outras árvores folhosas autóctones salvaram a aldeia de Ferraria de São João, há duas semanas.

Até ao dia 17 de Junho, a aldeia de xisto, situada no concelho de Penela, a meia-dúzia de quilómetros de Figueiró dos Vinhos, estava rodeada de um deserto verde de eucaliptal. As árvores jovens havia sido plantadas há poucos anos, depois de um grande incêndio ter destruído os anteriores eucaliptais e os poucos pinheiros que ainda restavam à volta da aldeia. 

Ali perto, no alto de São João do Deserto, o miradouro abria-se para uma visão de 360.º onde apenas se via, até perder de vista, o verde azulado das folhas de Eucalyptus globulus.

Na noite de 18 para 19, já com mais de 40 mortos confirmados no incêndio de Pedrógão Grande - o número oficial é de 64 vítimas mortais -, o fogo, que ardia desde o sábado anterior na televisão e rádios, chegou, engolindo tudo à sua frente. Rodeou e tentou também devorar a pequena aldeia que vivia da agricultura e do eco-turismo. 

Foram horas de luta onde os habitantes fizeram finca-pé contra as chamas, mais altas do que casas. No final, a golpes de suor, lágrimas e alguma sorte, conseguiram salvar a localidade. Na sua mente, uma ideia a ganhar cada vez maior força. "Os incêndios incontroláveis no eucaliptal têm de acabar."

Reunidos em Assembleia de Moradores, no dia 25, apenas seis dias após mais esta provação, 50 habitantes e proprietários de terrenos de Ferraria de São João fizeram contrastar a sua determinação com o que, nos últimos dias se tem visto noutra Assembleia, a da República. "Ali, os políticos pedem responsabilidades, que também são suas, uns aos outros, procuram culpados e bodes expiatórios, e esquecem-se de resolver a situação, que é urgente e repete-se todos os anos. O problema da falta de ordenamento florestal e monocultura do eucalipto e pinheiro está identificado há décadas."

Certos de que só podem contar consigo mesmos, os habitantes deliberaram por unanimidade a criação de uma Zona de Protecção da Aldeia (ZPA), com 100 metros de largura à volta da aldeia, onde não haverá mais “árvores-gasolina”, como as apelidam os bombeiros australianos, continente de onde são originárias. 

“Serão arrancados os eucaliptos e raízes dentro desta zona e plantadas árvores como sobreiros e outras folhosas de forma correcta e ordenada”, lê-se no documento subscrito pelos presentes na Assembleia de Moradores. 

Os habitantes irão fazer um cadastro simplificado de modo a calcular áreas e artigos a incluir e a gestão dos terrenos dentro da ZPA será conjunta, incluindo cortes, plantações e limpezas, “tentando desonorar assim os proprietários dessa responsabilidade e custos. Procuraremos, mesmo assim, encontrar se possível, medidas de compensação aos proprietários destes terrenos, pelos serviços de ecossistema prestados.”

Foram assinadas 35 declarações de adesão ao projecto com base no compromisso de ter um plano de intervenção nos próximos três meses.

Falta saber se outras aldeias do xisto e restantes localidades dos concelhos afectados pelos incêndios vão seguir o exemplo, Para já, também a aldeia de

Casal de São Simão, na freguesia de Aguda, concelho de Figueiró dos Vinhos, se prepara para a seguir o modelo racional e de bom-senso com uma iniciativa semelhante.

“Vamos a isto que se faz tarde para ter uma aldeia verde!”

Artigo rectificado para referir a localidade específica (Casal de São Simão) na freguesia da Aguda onde a acção vai ter lugar (17:04 horas, de 29-06-2017).