Opinião

Do 8 ao 80

29 jun 2017 00:00

"O médico fazia muita falta, mas a farmácia faz muito mais".

A frase é de uma moradora de São Bento, freguesia do concelho de Porto de Mós que viu encerrar a única farmácia da localidade há mais de um ano, e ilustra bem os problemas sociais que a crise que está a atingir o sector poderá despoletar.

Actualmente, segundo um estudo do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, o número de farmácias que está em insolvência ou a ser alvo de penhoras já representa 20% do total da rede, tendo as insolvências, nos últimos quatro anos, aumentado 247,5%.

Ou seja, o que era um negócio de milhões, verdadeiras minas de ouro para quem os possuía, transformou-se, num curto período de tempo, numa actividade de tostões, em muitos casos, de difícil viabilidade.

As razões são conhecidas, tendo as dificuldades começado a surgir após a imposição de medidas como a descida do preço dos medicamentos, a redução das margens de lucro e a prioridade para os genéricos.

Foram medidas, aliás, que colheram bastantes aplausos e elogios de todos os quadrantes (excepto dos farmacêuticos, obviamente), pois o negócio das farmácias vivia num mundo que não existia, superprotegido e com uma rentabilidade obscena.

Quem tinha uma farmácia era rico. Os negócios de trespasse faziam-se por milhões. O Estado gastava uma fortuna incomportável com os medicamentos. Muitas famílias tinham dificuldades em comprar o que necessitavam. Vivia-se num exagero sem explicação, que apenas o fortíssimo lobby das farmácias, liderado por João Cordeiro, que esteve à frente da Associação Nacional de Farmácias ao longo de 32 anos, foi permitindo que perdurasse no tempo.

No entanto, percebe-se agora que se poderá ter passado do 8 ao 80, de um exagero a outro de sentido contrário, pois a verdade é que as farmácias não podem ser entendidas da mesma forma que empresas de outro sector qualquer.

Neste caso está-se também a falar de estabelecimentos comerciais, é certo, mas que trabalham a venda de produtos essenciais à saúde das pessoas, além dos serviços de controle e aconselhamento que prestam.

Se nos centros urbanos, havendo vários estabelecimentos, a questão não será tão grave, nos meios mais pequenos e isolados as dificuldades das farmácias levarão, inevitavelmente, problemas às pessoas.

No limite, se a farmácia não conseguir manter-se de portas abertas, a população, que nesses meios é geralmente envelhecida, fica privada de um serviço determinante para a sua qualidade de vida, podendo levar a problemas sociais graves, como se poderá melhor perceber no trabalho que publicamos nesta edição.

É urgente repensar este assunto por forma a evitar que o que se poupa num lado se vá gastar noutro, a tratar doenças agravadas pela falta de medicação e acompanhamento, para não falar do custo imaterial, mas muito mais importante, que é a saúde e a vida digna das pessoas.

Entre outras correcções, talvez fosse importante criar incentivos fiscais para as farmácias que se encontram em meios mais deprimidos e isolados.

*Director do Jornal de Leiria