Abertura

Covid-19: em cada estatística de óbitos há uma história de família

4 fev 2021 16:14

Esta semana, o distrito de Leiria ultrapassou a barreira dos 500 óbitos associados ao SARS-CoV-2 desde o início da pandemia. E o concelho de Leiria está acima dos 100 óbitos desde a última quinta-feira, 28 de Janeiro

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Debilitado por outras patologias nos últimos anos, Carlos Vieira não resistiu ao novo coronavírus
Ricardo Graça

Paulo Pereira ia ser avô, Carlos Vieira planeava competir na Austrália, José Eduardo de Oliveira continuava a construir o Arco da Memória no Região de Cister, Maria Luísa Pereira deixa seis filhos, além de netos e bisnetos. São nomes, mais do que estatísticas. E rostos, não apenas números, na lista de óbitos relacionados com a Covid-19.

Escritor, cronista, colaborador da imprensa e de várias associações, José Eduardo de Oliveira era uma figura querida na cidade de Alcobaça. “Eu andava com o meu pai [na rua] e parecia que andava com o Papa”, conta a filha, Eduarda Oliveira. Internado a um sábado, morreu na terça-feira seguinte, aos 80 anos de idade. A viúva, também infectada, está em casa, com alta hospitalar.

“Caiu-me tudo em cima numa semana”, desabafa Eduarda Oliveira, incapaz de compreender o negacionismo que continua a enlamear as redes sociais, em publicações que contestam os perigos do SARS-CoV-2, que desvalorizam as estatísticas e que desconfiam da pressão sobre as enfermarias e unidades de cuidados intensivos. “É criminoso”, afirma. “Eu vivi na pele o horror que isto é”.

Esta semana, o distrito de Leiria ultrapassou a barreira dos 500 óbitos por Covid-19 desde o início da pandemia. E o concelho de Leiria está acima dos 100 óbitos desde a última quinta-feira, 28 de Janeiro.

Apesar dos problemas de saúde relacionados com hipertensão e colesterol, José Eduardo de Oliveira, mais conhecido por Jero, continuava a escrever no jornal Região de Cister e a manter-se útil através do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (CEERIA).

Apaixonado por desporto, dizia que numa prova de atletismo tinha pisado a meta depois do último, escolha inspirada de palavras para descrever a chegada já com o cronómetro desligado. “Era extremamente bem humorado”, confirma Eduarda Oliveira. “Muito sociável” e “excelente contador de histórias”.

Natural de Alcobaça, durante anos director comercial da SPAL, fábrica de porcelanas, Jero animou, em paralelo, uma ligação “muito activa, muito participada” com a comunidade. Por exemplo, no jornal O Alcoa (director-adjunto), nos bombeiros (presidente), na Associação de Defesa e Valorização do Património Cultural da Região de Alcobaça (ADEPA) e nos livros que escreveu. Facetas de uma vida preenchida, agora travada pela Covid-19.

“As pessoas têm de perceber que a doença evolui muito rapidamente”, refere Eduarda Oliveira. “Ele estava com uma pneumonia moderada, era o que me diziam”. A filha elogia os médicos e enfermeiros do Centro Hospitalar de Leiria – “são extraordinários” – e assinala a utilidade do oxímetro, aparelho à venda nas farmácias que permite detectar a chamada hipóxia silenciosa, ou seja, a queda da percentagem de oxigénio no sangue sem que a pessoa se aperceba. José Eduardo de Oliveira entrou na urgência a respirar normalmente, mas com saturação de oxigénio no sangue abaixo do normal (84%, em vez de 95%), uma situação descrita em alguns casos de infecção pelo novo coronavírus.

Na linha da frente

Cerca de metade dos óbitos associados à Covid-19 no distrito de Leiria ocorreram no mês de Janeiro. No dia 30, após dois meses de luta contra as consequências da infecção por SARS-CoV-2, morreu Paulo Pereira, técnico de radiologia na Unidade de Caldas da Rainha do Centro Hospitalar do Oeste. Estava internado em Lisboa desde o início de Dezembro, sem visitas. Faleceu com 59 anos, a dias de ser avô pela primeira vez. O cortejo fúnebre parou à porta da urgência e dezenas de amigos, colegas e utentes uniram-se numa salva de palmas.

“Em princípio”, reconhece Carlos Paixão, coordenador do serviço de Imagiologia do Centro Hospitalar do Oeste, Paulo Pereira – que era diabético, mas não dependia de insulina – terá sido contagiado em contexto de trabalho, em Caldas da Rainha, onde realizava exames a doentes infectados pelo novo coronavírus.

Carlos Paixão não poupa nas palavras e considera “revoltante” o desrespeito pelo confinamento a que ainda assiste, diariamente: “Estamos exaustos e vemos no dia a dia que as pessoas acham que isto é nada”.

Numa publicação pública no Facebook, Inês Pereira, filha de Paulo Pereira, referiu-se à morte do pai como “uma morte a mais”, numa mensagem sentida e com chamada de atenção. “Neste momento basta a inconsciência e o desleixo de uma pessoa para piorar ainda mais a situação nacional”, escreveu. “Não é só uma gripe. Não é nenhuma teoria da conspiração. Não leva só os mais velhos, os de grupo de risco, os cordeiros que seguem e cumprem confinamentos, os cautelosos que usam máscaras. Leva maridos, pais, irmãos, cunhados, tios, amigos de uma vida, colegas de trabalho, conhecidos, vizinhos do lado, os outros”.

Projectos por cumprir

Até 30 de Novembro, registaram-se 26 óbitos por Covid-19 no concelho de Leiria. De então para cá, e até domingo, 31 de Janeiro, mais 90.

Em Dezembro, o SARS-CoV-2 travou o ciclista, bombeiro e recordista do mundo Carlos Vieira, que por três vezes ligou Leiria e o Vaticano de bicicleta, com direito a encontro com os papas João Paulo II e Francisco. Debilitado nos últimos anos por outras patologias, morreu no Hospital de Santo Andr&eac

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