Sociedade

Cobriu o cadáver do pai com café e chocolate em pó e o Ministério Público de Leiria pede "medida de prevenção"

27 fev 2020 16:42

Mulher que viveu seis meses com o pai morto em casa faltou ao julgamento

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Julgamento iniciou-se hoje no Tribunal de Leiria e já teve alegações finais
Ricardo Graça

O Ministério Público de Leiria pediu hoje uma “medida de prevenção” para a mulher acusada dos crimes de profanação do cadáver do pai, burla tributária e burla informática, que viveu com o pai morto seis meses.

O julgamento iniciou-se hoje no Tribunal de Leiria, mas a mulher não apareceu. Foram ouvidas todas as testemunhas e feitas as alegações finais.

O procurador do Ministério Público entendeu que se “fez prova, que resulta dos testemunhos e dos factos que constam no processo”.

“A arguida deve ser condenada pela prática dos crimes de que está acusada e poderá ser aplicada uma medida de prevenção”, salientou o procurador. Já a advogada de defesa referiu que “perante os factos e os testemunhos, sobretudo, o do irmão e da sobrinha, e os factos descritos na acusação”, pediu justiça.

O irmão e a sobrinha da arguida, que esteve ausente da sessão, explicaram ao tribunal que estranharam o facto do veículo do idoso estar estacionado vários meses no mesmo sítio e pediram à PSP para se deslocar a casa do mesmo.

No entanto, no local os agentes ouviram uma das vizinhas que lhes disse que o homem estaria para Lisboa. Mais tarde, o corpo viria a ser encontrado em casa, já cadáver. As vizinhas referiram ao colectivo de juízes que nunca se aperceberam de nada estranho.

Uma referiu que sentiu um mau cheiro, mas atribuiu-o aos canos.

Outra adiantou que a arguida tinha sempre as janelas fechadas e até pensou que fosse uma “acumuladora”, sentindo uma “cheiro a café e a tabaco”.

Esta testemunha, que trabalha num café que a arguida frequenta “quase diariamente”, referiu ainda que a acusada é uma “pessoa desequilibrada” e que costuma “ofender os clientes”. “Já tivemos de chamar a GNR.”

Segundo o despacho de acusação, o inquérito teve origem numa participação da PSP em 17 de Junho de 2017, dando conta que no dia 16 de Junho de 2016, no interior da residência da vítima, em Caldas da Rainha, foi encontrado o corpo de um homem de 87 anos, em avançado estado de decomposição, refere o despacho de acusação do Ministério Público.

A denúncia partiu da neta do falecido, sobrinha da arguida, que, "após ter conhecimento de que o veículo do seu avô estava estacionado no parque de estacionamento, há bastante tempo, com sinais de abandono e sem pagamentos em dia, contactou a PSP das Caldas da Rainha".

Após a investigação, o MP refere que "não foram encontrados sinais de arrombamento, a porta da entrada estava trancada, o corpo foi encontrado deitado no chão da cozinha coberto por pó de cor castanha e a porta da cozinha estava fechada à chave pelo lado do corredor, com a chave na porta".

"Não foram observados indícios da intervenção de terceiros".

Sem provas de que possa ter ocorrido um crime de homicídio, o MP arquivou o inquérito "nesta parte".

No entanto, o MP acusou a filha da vítima do crime de profanação de cadáver, uma vez que terá vivido com o pai morto em casa, pelo menos, seis meses.

Segundo o despacho, antes de Dezembro de 2015, a arguida foi residir com o pai, que era beneficiário de uma pensão de aposentação no valor mensal de 1.167,20 euros.

Após a morte do pai, "em data não apurada", a arguida cobriu o corpo da vítima "com café e chocolate em pó" e continuou a viver na referida residência, onde se encontrava o corpo sem vida do pai, até pelo menos Janeiro de 2016, sem nunca dar conhecimento da morte deste.

A pensão do pai continuou a ser depositada na conta deste, tendo a arguida utilizado esse dinheiro para fazer compras.

O MP adianta que a acusada sofre de Psicose Esquizofrénica Paranóide Crónica, "caracterizando-se por apresentar um pensamento totalmente centrado numa temática paranóide confusa e abrangente, agravada pela presença de alucinações auditivas e com total ausência de crítica para a sua situação clínica e para a necessidade de tratamento", que havia recusado.

A arguida é "perigosa, estando demonstrado tal perigosidade pelo risco elevado no cometimento de factos semelhantes aos dos autos, considerando a patologia que padece e, pela dependência da mesma do cumprimento de medidas terapêuticas adequadas que não são aplicadas de ‘motu' próprio pela mesma", pelo que lhe foi aplicada a medida de "segurança de internamento por força".