Opinião

Censura aos góticos

23 ago 2018 00:00

O JORNAL DE LEIRIA noticia esta semana que um grupo de trabalho vai reunir em Setembro para definir regras sobre os espectáculos e eventos que se podem realizar no Centro de Diálogo Intercultural de Leiria (CDIL), instalado na Igreja da Misericórdia.

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O assunto está rodeado de polémica, depois de uma fotografia de um espectáculo de dança contemporânea, realizado há quatro meses naquele espaço, dessacralizado e propriedade da Santa Casa da Misericórdia, ter chocado algumas pessoas, por nela se verem bailarinas em exercícios coreográficos em calções e maillots de dança.

A visão dos supostos “trajes reduzidos” - normalíssimos para quem já viu, pelo menos, um espectáculo de Dança Contemporânea - não caiu bem e o assunto foi levado à reunião de Câmara pelos vereadores da oposição PSD.

Há duas semanas, a questão voltou à baila após o anúncio da mudança de dois concertos operáticos do Festival Gótico Extramuralhas, do CDIL para o Museu de Leiria (instalado no dessacralizado solo de um antigo convento).

Na terça-feira, na reunião da Câmara, o vereador do PSD Fernando Costa questionou o Executivo sobre a mudança de local. Segundo o vereador da Cultura Gonçalo Lopes, procedeu-se à alteração “numa tentativa de evitar mais polémica, no seguimento do episódio do espectáculo do Metadança, que gerou choque e perplexidade das pessoas, inclusive, dos vereadores do PSD”.

Costa, que declarou que se opõe, imagine-se, a “espectáculos eróticos, pornográficos ou sadomasoquistas” na antiga Igreja da Misericórdia, respondeu que não percebe por que se interditou um “espectáculo lírico” do Extramuralhas.

“Nunca considerei o Metadança pornográfico, erótico ou de striptease. Não levantaria obstáculos por mim, mas pela Diocese.” Assim se passa entre os pingos da chuva.

Não obstante, o vereador do PSD não deixa de ter alguma razão. Não se entende a mudança para o Museu de Leiria, uma vez que, quem tenha dois… ou apenas um ouvido, não irá achar nada de anormal na música dos artistas Christian Wolz e Rïcïnn.

Nada capaz derrubar a Torre da Sé ou, sequer, um psiché na casa da S. Joaneira. O que salta à vista é o facto de o Extramuralhas ter sido proibido de entrar no CDIL não por causa da música, mas por uma censura ao seu público… gótico, do melhor festival gótico da Europa.

Para uma cidade que quer ser candidata a Capital Europeia da Cultura, isto é muito feio de se constatar e, mais ainda, de justificar. Mas chega de polémica. O Extramuralhas desce este fim-de-semana ao burgo.

Centenas de visitantes, nacionais e estrangeiros, vão dar mais vida à cidade do Lis e pode ser que, por fim, Leiria entenda que um festival gótico, com concepções estéticas diferentes das comerciais e mainstream, nada tem de esquisito.

Afinal, bastas vezes, desagrada-nos o que desconhecemos.

Mesmo a fechar, o colectivo artístico de Leiria Musicalmente, liderado por Paulo Lameiro, acaba de ser confirmado como prestador de serviços de consultoria e programação para a candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura.

O caminho será longo e, tudo indica, eivado por escolhos, pelo que, dificilmente, se poderia encontrar alguém mais competente, capaz de criar pontes e entendimentos do que o sensato Paulo Lameiro.

*jornalista