Abertura

Carlos e Isabel Carvalho, um relato de quem venceu a Covid-19

10 abr 2020 08:00

Casal mora na Marinha Grande e ainda não sabe como se infectou

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Carlos e Isabel ainda têm semanas de recuperação pela frente
DR
Jacinto Silva Duro

“Não me conseguia levantar, nem caminhar pela casa. Tinha dores horrorosas pelo corpo. Aquelas dores das gripes, em todo o corpo, mas em triplo. A minha cabeça queimava e estalava. O meu pescoço ardia, sempre com uma febre ligeira, com a temperatura a viajar de 35.1º, 35.3º a 37.5º e voltava aos 35.3º e sucessivamente.”

Isabel Carvalho, 55 anos, funcionária na Direcção de Finanças de Leiria e residente na Marinha Grande, sentiu a vida em suspenso por acção da Covid- 19.

“Desde que fui ao hospital que não tenho febre e hoje estou bem. Com o meu marido foi mau, mas correu bem, agora tenho a certeza de que tudo está no bom caminho.”

Ainda a lutar contra a doença, mas praticamente restabelecida, a sua preocupação é Carlos, 57 anos, a quem o coronavírus provocou uma pneumonia e que esteve uma semana em coma induzido, a respirar com o auxílio de um ventilador, no Hospital de Santo André, em Leiria.

Já falou com ele após a longa semana de 28 de Março a 4 de Abril, que o professor e presidente da Direcção dos Bombeiros Voluntários da Marinha Grande passou na Unidade de Cuidados Intensivos.

“Antes de o levarem para lá, falámos ao telefone. Sabíamos que poderia passar muito tempo antes de voltarmos a fazê-lo. Estava a receber oxigénio, mas, sempre calmo, disse-me que se sentia bem.”

À chegada ao hospital, foi diagnosticada a Carlos uma “pneumonia galopante”. “Foi o primeiro a sair do ventilador e do coma, mas outros ainda lá ficaram”, conta Isabel, com alívio na voz.

Pela frente, Carlos tem ainda semanas de recuperação. Já Isabel começa a sentir-se bem, mas ainda lhe faltam as forças.

Passa os dias ocupada com pequenas coisas. “Não tenho stress, nem pânico. Vejo o Facebook, converso com amigos nos grupos do Whatsapp e do Messenger, vejo as notícias na televisão.”

Quando se sentir realmente bem, tem já um objectivo em mente: “arrumar a casa a fundo”.

Até lá, passa os dias, em casa, com os filhos, de 14 e 20 anos, que nunca apresentaram sintomas. Todos os dias recebe a visita de agentes da PSP que verificam se estão em casa.

“A esposa de um deles é enfermeira. Imagino que deva ser muito difícil os dois elementos de um casal estarem na linha da frente desta guerra.

 

Sintomas
Dores no corpo, náusea e perda do paladar e olfacto
“Sentia dores em todo o corpo, náusea... mas nunca vomitei, falta de paladar e de olfacto - esse ainda não voltou -, os meus intestinos ardiam. Estavam em fogo, a minha pele queimava de tanta sensibilidade à febre relativamente baixa, que se manteve em constante variação. Ia dos 35.3ª aos 37.5ª e voltava e ia, e ia e voltava, ao contrário do meu marido que tinha febre muito alta, até aos 39.5º, e, em dois dias, desenvolveu uma pneumonia.” Os sintomas de infecção por Covid-19 são bem conhecidos, mas o coronavírus não ataca todos da mesma maneira. Isabel diz que nunca sentiu os pulmões afectados, mas, a dificuldade em respirar foi o que fez soar o alerta na Linha Saúde 24 e ditou o internamento do marido.

Isabel sentiu no âmago a doença e não entende quem a desvaloriza e continua a ter comportamentos egoístas de risco, apesar dos avisos: “os inconscientes são perigosos especialmente para os outros”. Por relatos de amigos de Macau, onde Isabel Carlos e Isabel residiram 12 anos, sabiam que a Covid-19 não é “apenas uma gripe”, o que não esperavam era sentirem-na tão rapidamente.

“No Carnaval, não saímos e nunca nos deslocámos do nosso percurso habitual de casa para o trabalho. Moramos no centro da Marinha Grande e o meu marido é professor na Calazans Duarte, aqui perto”, recorda. Ainda hoje se sentem intrigados sobre a contaminação.

Isabel aventa uma hipótese, após ter debatido a questão com os médicos: a estação de combustível onde abasteceram os carros. Só assim se poderia explicar o facto de ninguém das suas relações ter contraído a doença.

“São locais de passagem, onde temos de tocar em sítios que dificilmente se conseguem desinfectar apropriadamente. São focos de infecção terríveis.” Por volta do dia 17 de Março, com o País em isolamento há dias, sentiram sintomas de gripe. A temperatura de Isabel subia e descia.

No sábado, dia 20, a febre de ambos ultrapassou 37º e Carlos sentia o corpo dorido. Questionavam- se se seria a tão falada Covid- 19 e Carlos começou a tentar ligar para a Linha Saúde 24, que se encontrava congestionada.

Por fim, no dia 24, após muita insistência, conseguiu falar com uma enfermeira que desvalorizou os sintomas, por ainda serem leves, mas aconselhou- o a trocar umas palavras com um médico. Ao fim de mais 1:20 horas de espera, Carlos desligou.

No dia seguinte, conseguiu falar com um clínico e, ao mencionar os sintomas e a falta de ar, este disse-lhe para “ficar quieto” até o INEM chegar. Foi para o Hospital de Santo André, onde lhe foi diagnosticada a infecção pelo coronavírus e uma pneumonia, tendo-lhe sido administrado oxigénio e medicamentos intravenosos, antes de lhe ter sido induzido o coma para ser ligado a um ventilador.

Pouco depois, o INEM chegaria para levar Isabel às Urgências. Aí, após ter sido medicada, a febre baixou e as dores desapareceram.

"A nossa maior preocupação eram os nossos filhos, que iam ficar sozinhos”, conta. Porém, como a sintomatologia era leve, a funcionária da Direcção de Finanças de Leiria foi enviada para casa e ficou cinco dias fechada no quarto, até receber ordem médica para circular pelo lar, mas sempre com muitos cuidados.

Isabel sente-se muito agradecida aos amigos, aos Bombeiros da Marinha Grande e ao pessoal médico do Hospital Santo André onde, ela e o marido, se sentiram bem atendidos e tratados.

“É admirável a capacidade dos médicos de se focarem nas prioridades, com as máscaras e material de protecção desconfortáveis, durante 12 horas ou mais, especialmente, quando têm pessoas sempre a reclamar e a pensar no seu próprio umbigo.”