Sociedade

Campeões e bons alunos: os filhos da primeira geração de imigrantes ucranianos

4 abr 2019 00:00

Estão a chegar ao ensino superior, às selecções nacionais de vários desportos e à idade adulta. Os filhos dos primeiros imigrantes de leste começam a subir no elevador social.

Oleksandr Lyashchenko (foto de Ricardo Graça)
Oleksandr Lyashchenko (foto de Ricardo Graça)
Oleksandr Lyashchenko (foto de Ricardo Graça)
Oleksandr Lyashchenko (foto de Ricardo Graça)

Com a Páscoa, chega o tempo das pêssankas, uma tradição milenar pagã absorvida pelo cristianismo na Ucrânia. Os ovos pintados à mão, em família, são oferecidos como talismãs para atrair saúde, amor ou boa sorte. É um momento que Liliya Irza antecipa com entusiasmo e que a distingue das melhores amigas – todas portuguesas – na Escola Superior de Saúde de Leiria.

Está no terceiro ano da licenciatura em Enfermagem, até agora com média de 17 valores. A mãe, actualmente sem emprego, também tem formação superior, na área comercial. O pai é motorista. Liliya, quatro anos de idade quando se mudaram de Ctriy para Portugal, segue as pisadas da avó, também enfermeira. Mas, ao contrário dos pais, não se vê a trabalhar noutro país, mesmo com os enfermeiros portugueses envolvidos na maior luta de sempre com o Ministério da Saúde, por melhores salários e condições laborais. “Faz parte da minha personalidade, não sou pessoa muito de viajar, de mudanças. Estou habituada ao ritmo de vida, tenho aqui todos os meus amigos”.

Ucraniana ou portuguesa? “Meio meio”. Na hora de ir à missa, no entanto, a escolha é sempre a Igreja do Espírito Santo, onde acontecem os actos litúrgicos para a comunidade ucraniana em Leiria. E onde se cumpre este mês outro ritual da Páscoa: a bênção do cesto preparado por cada família, que inclui o inevitável pão doce.

Como em quase todas as histórias de imigração com origem na Ucrânia, o pai chegou primeiro. “Um ano em que me lembro que não tinha pai”. Hoje, lá em casa, na Carreira, fala-se tanto ucraniano como português, até porque a irmã, mais nova, já nasceu em Leiria.

Com 22 anos, Liliya Irza começou em 2019 o estágio no serviço de obstetrícia do hospital de Gaia. Preconceito e discriminação não sente, só confessa aborrecer- se com os comentários e piadas sobre vodka. E com a não distinção entre russos e ucranianos. “Para os portugueses, somos todos iguais”.

Saltar mais longe

Mas não são. As diferenças vêem-se, por exemplo, nas estatísticas: os ucranianos com estatuto legal de residente constituem a maior comunidade estrangeira no distrito de Leiria e concelho de Ourém, de acordo com o site Pordata.

Os filhos da primeira geração – crianças quando as famílias se instalaram em Portugal, no final dos anos 90 e início da década seguinte – estão agora a chegar às universidades e politécnicos, à idade adulta e também às selecções nacionais, em vários desportos. É o caso de Oleksandr Lyashchenko, que antes de se tornar campeão de atletismo, descobriu, na Marinha Grande, que o dia de aniversário dele é importante para muitas outras pessoas na capital do vidro, mesmo pessoas que não conhece: 18 de Janeiro, a data da insurreição armada contra a ditadura. 

Actualmente em Lisboa, estuda fotografia na Universidade Lusófona, um amor recente inspirado nos documentários do National Geographic. E compete pelo Sporting, o que, de alguma maneira, deve à irmã mais velha, que logo na infância o arrastou para a modalidade, no Clube de Atletismo da Marinha Grande.

Oleksandr Lyashchenko soma vários títulos nacionais nos escalões jovens e já foi vice-campeão de Portugal no salto em comprimento. Mas o momento mais inesperado da carreira é outro: em 2015, apurado para o campeonato da Europa de juniores, a Federação Portuguesa de Atletismo esqueceu-se de o inscrever.

“Foi irreal”, recorda. “Para mim eram uns mínimos difíceis, estive a época toda a lutar. Na pista coberta, no Inverno, tinha ficado a dois centímetros. E depois, no Verão, tive alguma dificuldade e só na última prova, no último salto, é que consegui fazer os mínimos”. Graças à disciplina que diz dedicar ao treino, vingou- se no ano seguinte, com a presença no mundial de juniores.

Representar Portugal nas grandes competições é algo natural para quem se sente tão português como ucraniano. Ou, “se calhar, até mais” português do que ucraniano. “Não que faça essa distinção. As duas coisas fazem parte de mim”.

O pai é funcionário de uma fábrica de moldes, a mãe está desempregada, depois de trabalhar em restauração e pastelaria. São originários de Mukachevo, no sudoeste da Ucrânia, uma região de rios e lagos a uma hora das fronteiras com Hungria e Eslováquia. Quando lá vão, Oleksandr gosta de piqueniques nas montanhas. Para ele, aos 22 anos, é isso que a Ucrânia ainda representa: “Família, claro, e também um pouco de casa”.

Com a instabilidade política e económica, e o conflito com a Rússia, continuar em Portugal, com sol e mar, parece a melhor opção. Mas a geração de Oleksandr não se prende a um mapa com fronteiras. “Ter tido e ainda ter estas duas experiências, de dois países diferentes, duas culturas diferentes, só me abre a mente, em todos os aspectos, e acho que deixa sempre em aberto a possibilidade de ir para outros países, experimentar outras coisas. O facto de ter esta experiência dos meus pais, que saíram da zona do conforto, é também um exemplo”.

Conhecer o mundo

A viver a tradição académica nos ensaios da tuna, entre a percussão e as aulas de guitarra, Diana Derhun, 18 anos, é uma das novas caloiras da Universidade de Lisboa, onde frequenta a licenciatura em Relações Internacionais, graças a uma média de acesso de 15,8 valores.

Falhada a primeira opção, cinema, através do curso de ciências da comunicação, agora imaginase a “conhecer o mundo todo” e a trabalhar “numa organização não governamental ligada ao Ambiente”. O que ajuda a explicar a observação sobre a cidade de Leiria, que continua a visitar aos finsde- semana: “Eu achava que fazia falta um parque, mas eles já estão a tratar disso”.

Faz parte de uma geração que considera mais virada para o exterior, o que, acredita, tem provavelmente “muito a ver com o facto de já ter nascido na União Europeia”, com “as fronteiras abertas”. A visão global do mundo é algo que também “a internet” ajuda a construir, salienta, tal como crescer numa família imigrante. Daí o futuro que imagina sem muros nem cancelas. “Quero conhecer a realidade de várias pessoas, não só a comunidade em que estou inserida. Quero conhecer mais”.

Natural de Ternopil, na região Oeste da Ucrânia, Diana Derhun chegou a Portugal com cinco anos de idade. A irmã mais nova já nasceu cá. A mãe está desempregada e o pai voltou a emigrar, agora para França, onde trabalha como soldador, ao serviço de uma empresa portuguesa, depois da insolvência do antigo empregador.

Em Leiria, Diana Derhun praticou dança e natação, tem mais amigos portugueses do que ucranianos, mas não esquece as origens. “É importante sabermos a nossa cultura, eu preocupo-me com o que se passa lá, informome e vejo televisão ucraniana”. Com os avós maternos, em Ternopil, fala por Skype. E se pudesse trazia o Inverno. “Adoro nev

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