Viver

António M. Catarino: “a tecnologia evoluiu, mas as disparidades económicas e sociais agravaram-se”

24 jan 2019 00:00

O fotógrafo e escritor, natural da Benedita, Alcobaça, em entrevista nesta edição do JORNAL DE LEIRIA.

Jacinto Silva Duro

Como foi que a fotografia e as letras apareceram na vida de um licenciado em Sociologia?
Dou aulas nos centros de formação de Caldas da Rainha, Peniche e Nazaré e a fotografia apareceu porque passava muito tempo no caminho entre Nazaré e Peniche e apanhava cenários com luzes fantásticas para a fotografia. Em 2004, comecei a fotografar em digital e foi como se tivesse feito um curso em modo autodidacta. Senti uma grande evolução.

A escrita surgiu através da fotografia?
Já tinha feito algumas experiências na escrita, mas, quando criei o meu primeiro blogue, com o intuito de publicar fotografias, percebi que também poderia escrever textos, quando tive a ideia de começar a escrever pequenos contos à volta das imagens. O meu primeiro livro era um apanhado de fotografia e desses pequenos textos. 

Neste momento, conta já com vários livros publicados, incluindo um de contos e três romances… O seu último chama-se Monstro e é um desses romances.
Escrevi o meu primeiro romance em 2012, e chamava-se Claridade. Depois, publiquei Antologia, em 2016, e o Monstro apareceu em 2018. Este último, é um livro de maturidade. Após tanto tempo, sinto que cheguei ao meu estilo próprio e identidade na escrita.

Depois da imagem e da palavra, lançou-se no vídeo. Monstro conta mesmo com um booktrailer. Foi um passo seguinte natural?
Como, actualmente, as máquinas fotográficas também filmam com grande qualidade, comecei a fazer pequenos filmes, com algumas ideias que me surgiam. Com o tempo, uma amiga fez-me a proposta de fazer um filme para ilustrar um dos seus poemas. Escreveu o argumento, filmámos e foi o meu primeiro passo no vídeo. Com o Monstro, fiz o booktrailer, para apresentar o livro, que está à venda numa plataforma online de autores e editoras independentes, a Convergência, que é um projecto que tenta facilitar a entrada de novos autores e de temas, que são nichos de mercado, nas livrarias.

De que fala esse Monstro?
Reflecte algumas preocupações pessoais com o ambiente e com o caminho por onde a Humanidade está a ir. Infelizmente, a nossa espécie tem cometido muitos erros. O livro é uma distopia, que se passa daqui a uns 50 anos, na ressaca das "guerras da água". Retrata um cenário onde houve um conflito muito grave por causa das alterações climáticas - não é um cenário improvável - e há uma entidade sobrenatural, de outra dimensão, que chega à Terra e começa a interessar-se pela Humanidade. Primeiro, com uma atitude trocista de apontar o lado mais negativo das pessoas, mas, a dado momento, começa a reparar nos pontos positivos e começa a "apaixonar-se" por esses aspectos. A certa altura, coloca-se a questão: quem será o verdadeiro monstro? A entidade sobrenatural assustadora ou a espécie humana? É um livro que também aborda o papel da tecnologia e que aborda outro paradoxo; quando era miúdo, acreditava que, à medida que a tecnologia fosse evoluindo, haveria uma distribuição mais justa da riqueza e que a solidariedade entre povos iria aumentar. Infelizmente, nada disso está a acontecer e, no livro, também não acontece. A tecnologia evoluiu muito, nómicas e sociais agravaram-se.

O que é o Domador de Ventos, o protagonista da sua mais recente exposição de fotografia patente do hotel Real Abadia, em Alcobaça?
É um moinho de madeira que tenho fotografado desde 2013, em Boisias, em Alvorninha (Caldas da Rainha). É raro encontrar um ainda de pé e aquele estava degradado, quando o “descobri”. Tinha estado em operação até ao princípio dos anos 90 e as tábuas estavam apodrecidas, mas era um exemplar fantástico, que estava num local muito alto, sem geradores eólicos, antenas de telecomunicações, casas modernas e outros empecilhos à volta. Tudo isso dava-lhe um magnetismo fantástico que fui fixando em imagens ao longo dos anos. No ano passado, passei por lá e, naquele dia, começaram as obras de restauro. Há pouco tempo, percebi que tinha mais de 20 fotografias de um moinho que estava decadente e que agora estava recuperado. A exposição Domador de Ventosfaz essa narrativa. Vai estar patente até 31 de Janeiro.

É uma mostra organizada no âmbito do Grupo Artistas Fotógrafos de Alcobaça (GAFA)...
Tenho colaborado com pessoas, associações e grupos muito interessantes nas áreas da fotografia e escrita - é o caso da Associação Cultural Terra Mágica das Lendas, da Benedita, ou os Amigos das Letras, de Alcobaça, que é de autores locais e organiza tertúlias mensais de escrita, leitura e apresentação de textos - e o GAFA surgiu do projecto Vamos fotografar um Poema, dos Amigos das Letras. Vários poetas cederam poemas para inspirarem imagens de fotógrafos e isso resultou numa exposição itinerante, que passou por Alcobaça, Nazaré, Porto de Mós, Leiria e outros locais. Aquele primeiro grupo de fotógrafos criou uma ligação e apareceu o GAFA. Somos agora cerca de 20 e organizamos encontros e exposições. Temos uma exposição mensal no Real Abadia, outra no Café Safari, na Benedita, e há, todos os meses, um encontro que é o Photo Storm - um brainstorming ligado à fotografia -, onde os fotógrafos falam do seu trabalho e recebem conselhos. Todos os meses há um tema diferente. O próximo será Aves. Em Maio, teremos uma exposição comum com 12 autores franceses e 12 nacionais, que estará em Alcobaça nesse mês e, em Setembro, em Rennes (França).
 

Perfil
Descer de Ser e outros blogues

Nascido na Benedita em 1973, é licenciado em Sociologia e desenvolve actividade profissional nas áreas da formação e da fotografia. Publicou o primeiro livro, Fragmentário, em 2010, contando já com mais cinco livros, sendo o romance Monstro (2018), o último e mantém um blogue vivo com escritos regulares.

“Tive vários ao longo dos anos, mas, o mais recente, chamase Descer de Ser e, nele, uso o conceito de escrever um texto a partir de uma fotografia minha”, explica.

Venceu vários prémios de fotografia regionais e nacionais, entre eles o photoBANGO e Tourné - Gonçalo Cadilhe. No campo das letras, também conta com vários galardões literários pelos seus livros, entre eles o Prémio Internacional Books & Movies 2017, Miniconto Fantástico, Fnac & Revista BANG! e Concurso Literário Alves Redol.