Sociedade

"A minha irmã tem oito anos e gostaria que ela pudesse ter um planeta onde pudesse viver”

14 dez 2020 11:43

Clima | Seis jovens portugueses processaram, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, 33 países europeus por não tomarem medidas concretas. Quatro são de Leiria

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Mariana, Catarina, Martim e Cláudia
DR
Jacinto Silva Duro

Em Setembro, o JORNAL DE LEIRIA noticiou que um grupo de jovens portugueses processou 33 países no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por inacção e ausência de medidas de combate às alterações climáticas.

Agora, o órgão de justiça deliberou que a acção deve transitar para a etapa seguinte do processo jurídico.

Cláudia (21 anos), Mariana (8 anos) e Martim (17 anos) são três irmãos de Leiria que se juntaram a Catarina (20 anos), outra amiga, também natural da cidade, e ainda a André (12 anos) e a Sofia (15 anos), residentes em Lisboa, nesta luta de David contra Golias.

Pretendem “apenas” que se acabe com a passividade e que se tomem verdadeiras medidas para salvar o lar planetário de todos nós.

Os jovens solicitam ao tribunal que emita ordens vinculativas aos Estados para que estes se envolvam e tomem resoluções concretas para assegurar que há um retrocesso no desequilíbrio do clima do planeta.

Estas medidas, apesar do comprometimento destas nações no Acordo de Paris, não têm sido cumpridas, impulsionando e piorando a degradação rápida do ambiente.

Na semana passada, o tribunal concedeu prioridade à denúncia, sublinhando a "importância e urgência das questões levantadas", cujos argumentos se baseiam num relatório de peritos elaborado pela Climate Analytics.

Esta entidade descreveu Portugal como uma “zona quente” de alterações climáticas, sublinhando que o País irá suportar condições extremas de calor cada vez mais fatais.

Os 66 mortos de Pedrógão Grande, em 2017 – de um total de 120, nos incêndios que atingiram o território nacional nesse ano -, podem apenas ser uma pequeníssima ponta do iceberg.

Neste processo, os jovens portugueses estão a ter o apoio da GLAN, uma ONG, e de advogados britânicos, incluindo o escritório Marc Willers QC, especialista em legislação ambiental e de mudança climática.

"Como a maioria dos casos movidos pelo tribunal de Estrasburgo não chega a esse estágio, esta decisão representa um grande passo em direção a um possível julgamento histórico sobre as mudanças climáticas", diz a GLAN em comunicado.

Vagas de calor de 40 dias
Cláudia Duarte Agostinho, estudante de Enfermagem, tem sido a portavoz do grupo de jovens. “Teremos de esperar, pelo menos até Fevereiro, para saber se o tribunal dos Direitos Humanos leva a acção para o próximo patamar.”

A jovem explica que gostariam de ver as emissões de gases poluentes que provocam alterações climáticas reduzidos em 65%, de acordo com o que foi previsto por um quadro de especialistas.

Países visados no processo
Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Alemanha, Grécia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, República Eslovaca, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Turquia e Ucrânia

“Todos os argumentos foram baseados em provas científicas e em normas legais”, diz.

“Os cientistas que trabalharam connosco nesta acção alertam para fenómenos extremos em Portugal. Para secas e para vagas de calor a durar até 40 dias. Se se lembram do que aconteceu em 2017, podemos prever o efeito catastrófico.”

A esperança não morre na voz da estudante de Enfermagem.

“Não podemos ser egoístas, não podemos contentar-nos com o nosso conforto. Temos de pensar nos outros. A minha irmã tem oito anos e gostaria que ela pudesse ter um planeta onde pudesse viver.”

Desabafo que se transformou em acção judicial Em 2017, pouco tempo após os incêndios que varreram o território nacional e reduziram a cinza o Pinhal de Leiria/Pinhal do Rei e mataram pelo menos 120 pessoas, Cláudia encontrou- se com a amiga Rita Mota, irmã de Catarina.

Falaram do assunto do momento e a, hoje, estudante de Enfermagem desabafou o peso que tinha no coração de nada poder fazer para impedir que tais desastres provocados pela mão humana acontecessem.

Daquela vez, porém, Rita tinha uma sugestão. A jovem que estava a passar férias em Portugal, vinda do Reino Unido, era voluntária na GLAN e procurava causas que tocassem os direitos dos cidadãos e pudessem ser levadas ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, através da ONG.

E foi assim que, com um desabafo, se deu o primeiro de muitos passos que iriam ajudar a desenhar a acção contra os 33 países.

Embora os ambientalistas alertem que apenas com políticas globais concertadas, tomadas de cima para baixo, se conseguirá salvar o planeta, a acção individual e quotidiana também tem um peso importante, mesmo que os cidadãos sintam que o seu esforço é apenas uma gota no oceano da ausência de vontade política e da própria sociedade.

“Os comportamentos individuais em prol do ambiente são muito importantes e precisamos que mais pessoas se importem e ajudem a crescer este movimento pela defesa do planeta”, afirma Cláudia. E se o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos arquivar a acção dos seis jovens portugueses?

“Não terá sido um esforço em vão, pelo menos chamámos a atenção para o problema. Mas tenho muita esperança de que teremos uma boa resposta”, remata.

Depois destes 33 países, o que falta fazer? Cláudia faz notar que o tribunal apenas tem jurisdição sobre o território europeu e que os maiores poluidores mundiais não são por ele abrangidos.

Será preciso redobrar esforços para levar outras nações a cumprir o que é o seu dever para com a Humanidade.