Sociedade

13 de Março de 1974, a greve esquecida que aconteceu na véspera de Abril

13 mar 2024 14:04

Apesar de se ter tentado espalhar a luta a nível nacional, só os vidreiros da Marinha Grande cumpriram

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Fotografia: André Granja
Redacção/Agência Lusa

“Nunca disse para irmos fazer greve, mas disse ‘isto só se resolve se a gente deixar de trabalhar’, recorda um antigo vidreiro, que participou na greve onde centenas de trabalhadores e trabalhadoras arriscaram as suas vidas na luta por melhores condições de trabalho.

Júlio Oliveira da Silva, 91 anos refere-se ao clima de tensão sentido na indústria vidreira da Marinha Grande nesse ano de 1974, uma vez que os trabalhadores estavam em luta por melhores condições salariais.

Depois de vários acordos que visavam este aumento caírem por terra, foi no dia 13 de Março desse ano, no Sport Império Marinhense, que os trabalhadores da indústria vidreira marinhense se reuniram num plenário onde “não ficou definido nada que dissesse ‘amanhã fazemos greve’, mas as coisas estavam encaminhadas”.

Júlio recorda que o salão onde se realizou o plenário “não podia levar mais gente”, uma vez que muitos outros operários, todos eles “pessimamente pagos”, estavam lá reunidos, naquela que era uma oportunidade rara de darem voz aos seus problemas.

No dia seguinte, “ninguém da indústria vidreira pegou ao trabalho” e o antigo vidreiro admite ter pensado que esta greve iria “custar a vida e a prisão de alguns trabalhadores e trabalhadoras”.

Foi apenas às 8 horas do dia 13, que Etelvina Rosa, operária na época e posteriormente dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, descobriu que tinha sido convocada uma greve que iria durar até que todos os salários fossem aumentados.

Recorda que, juntamente com 20 trabalhadoras, passou o dia na sua secção, mas, em vez de trabalhar, estiveram todas sentadas a cumprir a greve.

Durante o dia, um pensamento invadia a cabeça da antiga operária, “ai se a PIDE entra aqui”, já que este nível de insubordinação durante o Estado fascista era “tenebroso” para quem lutava pelos direitos do povo.

Luís Neto, que foi trabalhador da indústria vidreira antes de se tornar oficial de justiça, conta que esta greve foi também importante pelo facto de ter sido “decretada por tempo ilimitado”, ou seja, até ser conseguida “a obtenção do aumento salarial de 100 escudos (menos de 50 cêntimos), para todas as categorias”.

No livro “Luta Constante. Orla da Mata – 3”, Luís Neto conta que a PSP ainda tentou entrar na Vicris/Crisal mas vários “jovens operários que empunharam canas com vidro quente”, afastando assim as autoridades.

O antigo operário destacou ainda as “atitudes firmes e corajosas”  dos trabalhadores e dos dirigentes sindicais, já que na altura a luta sindical era muito perigosa devido às possíveis prisões, que muitas vezes eram feitas sem uma acusação formal e sem data de liberdade à vista...

Ao fim de três dias de greve, a polícia de choque começou a desmobilizar-se da Marinha Grande para responder a outro acontecimento que viria a ser conhecido como “a intentona das Caldas”, uma tentativa frustrada de um golpe de estado.

O objectivo inicial de um aumento generalizado de 100 escudos não se concretizou, já que os salários só aumentaram 60 escudos (menos de 30 cêntimos), no entanto, para Luís Neto, esta greve mostrou aos trabalhadores que “afinal, valia a pena lutar e arriscar as represálias do regime e das polícias”.

Cerca de um mês depois, deu-se o 25 de Abril, que acabou por salvar muitos destes operários de futuros acertos de contas por este medir forças com o regime.