Opinião

Um francês, um inglês e um português estão a ver futebol

11 jul 2016 00:00

Desde o início do Euro2016 que estou em Paris a trabalhar para a UEFA, interpretando em simultâneo todas as conferências de imprensa portuguesas para inglês e as dos nossos adversários para português.

Todos os dias eu via as  “minhas” palavras e expressões estampadas na imprensa nacional e estrangeira,  no entanto o nosso trabalho é feito na sombra, completamente nos bastidores. 

Somos aqueles que todos ouvem, mas de quem ninguém se apercebe, a menos  que algo corra muito mal.  Tive o orgulho de fazer parte de uma equipa composta de um moldavo, um  ucraniano, um húngaro, dois alemães, dois britânicos, uma checa, uma eslovaca,  um belga, um francês, um turco, um albanês, um croata, um espanhol, um polaco,  um russo e um autêntico viking islandês.

Foi um prazer conhecer todas estas  pessoas, com histórias e vidas tão diferentes. Alguns deles pessoas inteiramente  ligadas ao futebol, com conhecimentos linguísticos, outros profissionais das  línguas que estudaram futebol e um único intérprete de carreira, com um grande  amor à pátria, à causa do futebol e sempre disposto a um desafio novo (eu). 

Foi um mês longe da família, a viver em hotéis que, ocasionalmente, deixaram  muito a desejar, numa cidade linda, mas à qual estava confinado, sabendo de  antemão que me seria impossível ir ver qualquer um dos nossos jogos ao estádio.  Ainda assim, imbuído de espírito de missão e vontade de fazer bem, lá me lancei  para Paris.

Com o avançar do torneio fui ouvindo e fui tendo de dizer coisas  desagradáveis sobre a nossa equipe, críticas de maus perdedores, de pessoas  melindradas, a atirar-se à nossa equipa, porque não ganha, porque demora a  ganhar, porque defende, porque isto, porque aquilo.

Só tenho a louvar a  serenidade do nosso mister, ao manter sempre o mesmo rumo, a mesma  tranquilidade, a mesma certeza de chegar ao propósito final. E lá fomos  progredindo no torneio e o melhor sinal disso mesmo foi a partida de colegas,  que se foram tornando bons amigos e com os quais manterei certamente  contacto.

Uma coisa curiosa foi que, apesar de algumas críticas, todos os  intérpretes que partiam passavam a apoiar, como equipa de recurso, a nossa  equipa. Na final recebi mensagens de todos a demonstrar o seu apoio.

Bom, de  todos menos dos franceses, mas os descendentes do senhor Chauvin são mesmo  assim.  Chegados à final, com todo o mérito, foi um jogo de nervos, sabia-se que ia ser  muito táctico, com as equipas a estudar-se mutuamente. No momento do revés  que foi a lesão de Ronaldo houve duas reacções distintas do público francês.

Os  verdadeiros amantes do futebol demonstraram-me o seu pesar por tão infausto  acontecimento e uns, poucos, rejubilaram e admito que houve mosquitos por  cordas, mas acabei por ir arejar a cabeça e ver o jogo noutro sítio. 

Não sou de fazer grandes conjecturas, mas a verdade é que sem Ronaldo só  podíamos ganhar se fôssemos uma verdadeira equipa e fomo-lo, mesmo até ao  fim e o herói foi o mais improvável, mesmo ao cair do pano e estamos todos de  parabéns. Tanto quem está na ribalta, como nós, os dos bastidores.  Uma nota para lembrar os críticos de que em 7 jogos o Homem do Jogo foi sete  vezes português, critiquem isso!

Uma última mensagem aos jornalistas, sobretudo aos nacionais: em conferências  de imprensa com interpretação falem a vossa língua materna. O mais provável é  que não dominem as línguas estrangeiras tão bem como pensam e os intérpretes  são pagos para fazer isso.

Deixem a malta trabalhar!

* Intérprete na UEFA, durante o EUro 2016