Opinião

Um Atlas no coração

17 out 2020 17:09

A deambulação que fazes sobre cada detalhe do mundo é uma exalação harmónica que se evola de um instrumento musical e te entoa as mais belas virtudes do universo.

O amor é uma montanha com vista para a realidade.

Daí perscrutas as nuvens e o reduto das veias, o carrossel do batimento que te pulsa em golfadas no peito.

A alma em sinapses de harmonia vai-te mantendo o olhar no horizonte, fixando a claridade no seu flanco mais aberto.

Sem pestanejos, somente sincopados acenos de pálpebra, esgares de volúpia nos sentidos que te (re)acendem a comoção. E trazes desse sopro a vontade primordial de sorver o melaço turvo do mosto, o condimento rubro das lembranças nos teus lábios.

A insaciável fuga da imaginação consagra-te uma realidade onde te emerges e permaneces na lassidão do tempo, em redor de ti e das tuas alegrias, redutos que te assomam às têmporas numa imprecisa velocidade, como num movimento de abertura do centro para a periferia das colinas em que progrides.

A delicadeza dos sentimentos tece vestígios que te conferem a dimensão mais densa da melancolia, como se todo o mundo se detivesse num grânulo de poeira e o céu repousasse num galho de romãzeira, ampliando os pomos do coraç o e a eternidade num só instante.

Num só bago de candura. Talvez para conteres a imensitude no teu olhar, ou o sabor da beleza numa sombra humedecida, auscultes o murmúrio inapreensível do silêncio na opacidade desgarrada das nostalgias.

Por certo, haverá nessa inversão dos ruídos uma concisão imóvel, ou o cortejo dos sentidos num lugar sem incertezas.

A experiência da viagem sem fronteiras, passo a passo, com o norte no desejo.

A deambulação que fazes sobre cada detalhe do mundo é uma exalação harmónica que se evola de um instrumento musical e te entoa as mais belas virtudes do universo.

Subir a montanha, uma e outra vez, renovando o fôlego, cativando quem te acompanha, abraçando cada degrau como se fosse o último reduto do assombro, mapeando o tempo e o espaço da tua existência, é o reflexo da esperança e do alento.

A realidade é uma ampliação que se expande no coração, um rumo que traças com o voo ritmado das marés em que navegas como se fosses um nauta de destinos.

O azimute das fortunas que mapeias na mão como um atlas.

O chão inteiro por onde progrides e te revela mais que mil tesouros alojados nos trilhos que trazes nos territórios da pele.

O amor verdadeiro não é magia - é certeza. E o que surge após a certeza é um mundo de mistérios.

Embora fácil de ver, é indizível. E quando tudo o que sentes te faz falta, de súbito, alguma centelha ecoa na alma, como velas suaves e distantes a ressoar a voz de uma só entidade, que auscultas, bem mais que a um deus, que se move nas curvas e nos adejos da tua lentidão.

Para a Joana