Opinião

São rosas, senhor, são rosas…

20 fev 2021 12:26

Foi também uma mulher que, em Leiria, mostrou ao rei D. Dinis, aquele que soube ser a ciência uma maravilha, um regaço cheio de rosas quando na verdade seria pão para salvar vidas.

Leiria tem em si um dos reis mais interessantes da nossa história, “fundador da ciência” em Portugal. Todos nós o conhecemos. Não sei se todos sabemos que, ao assinar a 1 de março de 1290 o Scienciae thesaurus mirabilis, fundou a mais antiga Universidade do país, e uma das mais antigas do mundo.

A ciência é um tesouro maravilhoso, disse D. Dinis nessa altura. E continua a sê-lo, de facto.

Foi recentemente celebrado o dia internacional das mulheres na ciência. Disse-me uma enfermeira-cientista em ascensão, por quem tenho duplo respeito e admiração, que “é pena que ainda sejam necessários dias destes, e que nos olhem de lado quando deixamos os filhos, marido e casa para fazer ciência”.

Mas não são só as mulheres a sofrerem ainda o jugo da discriminação. Também parece que diferentes instituições, e regiões, sofrem esse jugo científico-discriminatório.

Aquando da “primeira vaga”, Leiria rapidamente se organizou, juntando um grupo de pensadores e decisores de diversas áreas para, em conjunto, propor estratégias de mitigação da pandemia em 10 áreas centrais da sociedade, regional e nacional.

Várias propostas emergiram deste esforço conjunto.

Uma delas, em que estive diretamente envolvida, propunha-se pesquisar variantes do vírus e da pessoa (porque uma infeção, para acontecer, depende do infetante e do infetado).

O objetivo seria explicar o porquê de alguns infetados terem sintomatologia frustre e outros sintomatologia fatal, informação importante para orientar a decisão clínica e epidemiológica.

Mas isto achava eu, em maio de 2020, bem como todos os elementos dos grupos em que participei, homens e mulheres, e que comigo na altura concordaram, e sei que ainda hoje concordam.

Ao que parece estávamos errados, porque nenhuma entidade decisora lhe atribuiu (ainda) financiamento para ser desenvolvida. E não foi por falta de apresentação da proposta a ministros e secretários de Estado, entre outras entidades decisoras nacionais e regionais, que definem o uso do erário público para o controlo e mitigação da pandemia.

E por isso talvez hoje, além de pouco ou nada sabermos das características individuais dos infetados, falemos da “variante inglesa”.

Ainda que a maior incidência desta variante no nosso país comparativamente ao “seu” Reino Unido (de origem?) seja per si um contrassenso e não se consiga explicar pelos fluxos migratórios.

Disse-me outra cientista por quem também tenho grande apreço. Também mulher, também leiriense. Será esse o nosso ónus, afinal?

De género e de região?

Foi também uma mulher que, em Leiria, mostrou ao rei D. Dinis, aquele que soube ser a ciência uma maravilha, um regaço cheio de rosas quando na verdade seria pão para salvar vidas.

Temos várias flores espalhadas pela nossa cidade. Poucas serão rosas, acho. Mas esperemos por um novo maio. E por mais mulheres que a nós se juntem para um novo milagre leiriense.

O milagre da maravilhosa ciência!

Para podermos, em uníssono, mais alto dizer, a todo o país: é ciência, senhores, é ciência…

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990