Opinião

Quando morre alguém bom, morre sempre mais qualquer coisa

28 ago 2025 08:00

A perda é maior e sentida por mais pessoas, como que se a Terra tivesse perdido um anjo do bem e ficado mais pobre por isso

A morte é de facto um exemplo perfeito de uma experiência universal, pois transcende todas as barreiras culturais, sociais e geográficas. Um indivíduo milionário que viva no Hotel de Paris Monte-Carlo irá ter o mesmo destino que um pobre homem que viva na rua. Essa é a razão pela qual a morte é frequentemente vista como um grande “equalizador”, um evento que coloca todos no mesmo patamar.

A morte também tem um grande e mau poder. Ela deixa-nos tristes e desamparados quando morre alguém de quem gostamos e nos é próximo. Pela dor que nos provoca e por aquilo que nos retira das nossas vidas ninguém gosta dela. 

Recordo-me das primeiras pessoas que morreram e que me eram próximas. Um sentimento novo, estranho e complexo. Nunca mais as iria ver. Lembro-
-me em especial da morte do meu avô Quim, um homem beirão que passeava nas ruas da cidade da Guarda e cumprimentava muitos daqueles que passavam por perto. As pessoas retorquiam de sorriso sincero na cara e pareciam felizes por o ter visto. Eu era novo, mas a caixa das memórias boas é grande e sólida e talvez por isso não me esqueço do meu avô Quim a dizer sempre que sim àquelas pessoas desamparadas que pediam esmolas nas ruas da cidade fria da Guarda.

O meu avô, quando nos vinha visitar a Leiria, oferecia gelados a todos os meus amigos que brincavam na rua comigo e naquela altura era sempre um momento de pura alegria. Na verdade, ele era um homem bom e talvez por isso o impacto da dor que teve a sua morte foi mais extensível do que só à sua própria família e amigos mais chegados. 

Quando morre alguém bom, parece que morre sempre mais qualquer coisa. A perda é maior e sentida por mais pessoas, como que se a Terra tivesse perdido um anjo do bem e ficado mais pobre por isso. As pessoas boas deveriam ser eternas. 

A semana passada, Leiria perdeu uma das figuras mais incontornáveis da sua história. Mário Matias que começou a trabalhar aos 15 anos na Caixa de Crédito de Leiria como moço de recados para mais tarde se tornar no presidente do conselho de administração dessa instituição. Foi um homem que entregou a sua vida à banca, nunca esquecendo a responsabilidade social que isso poderia alcançar. 

Mário Matias era um homem bom e próximo de todos e por isso mesmo a sua morte tem um impacto maior na comunidade. Em primeiro lugar partiu um marido, um pai, um avô, um amigo, mas partiu também alguém que sabia o verdadeiro lugar da democracia e a sua importância para uma vida mais livre e digna. 
Foi mais um anjo do bem que nos deixou e todos nós ficamos muito mais pobres.