Opinião

Música | Da Suécia, um gélido violoncelo

20 mai 2022 20:00

Kval parece trazer à tona emoções contundentes como a tristeza ou o luto e a perda, exaltando-as a despeito das suas enfermidades

Aponto, hoje, a bússola para a Suécia, o país escandinavo que está por estes dias nas bocas do mundo, evidentemente por outras razões que não musicais... ou não estivesse o país a anunciar oficialmente que vai iniciar o processo de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte, depois de 200 anos de neutralidade.

Venho partilhar convosco as criações de Henrik Meierkord, um músico (multi-instrumentista), produtor e compositor sueco cujo instrumento de formação é o violoncelo.

São vários, embora tradicionalmente confluentes, os géneros por que navega (neoclássico, ambiente, indie, krautrock, industrial, folk), procurando a expressão livre e extasiante de um violoncelo transcendente rendido a um amor pela pura contemplação.

No seu país, é habitual encontrarmo-lo em formações como Strulgattu & Meierkord, Kalashnikov Quartet e o duo acústico eletrónico Meipr, entre muitos outros projetos e participações/colaborações inusitadas, a título de exemplo, com amigos como Pawel Kobak (flauta), Rocco Saviano (guitarra) e Marco Lucchi (sintetizadores).

Trago-vos hoje para escutarem, o belíssimo universo musical engendrado em 2021 por Meierkord, a que deu o nome de Kval.

Kval parece trazer à tona emoções contundentes como a tristeza ou o luto e a perda, exaltando-as a despeito das suas enfermidades. Lenta e paulatinamente, o autor desenha contagiantes linhas melódicas neste disco inteiramente instrumental que, no entanto, mais não nos deixam do que breves perguntas, num quase ritual de busca pela redenção que acabará por chegar ao final do processo.

O violoncelo encaixa que nem uma luva nesse mesmo espectro de emoções e o que Meierkord tão bem faz, é embalar-nos numa cama de infindáveis drones e texturas electrónicas que acolhem os frequentes glissandos e acordes longos das cordas, num álbum que tem uns imponentes 74 minutos de duração.

Há sintetizadores, caixas de música e, embora a música se confina muito a um espaço e ambiente dito clássicos, justifica-se a sensação de estarmos descomprometidos e longe de formalidades, em período de convalescença espiritual.

Há um momento mais exacerbado e intenso no disco, que se atinge com a peça “Monster” mas que rapidamente se redime e dilui no tema final de mais de dez minutos de duração, “Andrum”.

Editando os seus trabalhos, frequentemente, pelas labels sueca e holandesa, respetivamente, Ella Ruth Institutet & Ambientologist (esta última, curiosamente, descrevendo-se como: dedicada às capacidades psíquicas da música; a experiência auditiva é colocada em pé de igualdade com a expressão artística, com ênfase no emocional e no semântico; um recurso para o desenvolvimento psicológico e espiritual), Meierkord reserva-nos a peça “Kval” para se tornar mais marcadamente melodioso e poético numa fase mais tardia do álbum.

Gostei imenso de descobrir este compositor, espero que apreciem esta sua criação.