Opinião

Mar

16 ago 2023 16:54

Lembro-me de um primeiro mergulho em onda, na areia. Foi como atravessar de cabeça um muro líquido que se formou à minha frente

(Comecei a escrever este último texto sobre um percurso de água várias vezes. Tem sido uma viagem esta descoberta de sentimentos pela poesia; pela procura de um sítio que una estes pontos e satisfação de ler algumas destas linhas sinto que já lá cheguei, completo, ao mar. Obrigado.)

Mar é toda a água em imensidão de volume. Num estado líquido é a soma de todas as lágrimas e de todos os mijos. Dependendo de ser a montante ou jusante pode: ora ser a fonte de toda a evaporação que cria os rios, ora ser apenas a consequência do arrasto da água pelas feridas da paisagem. Surge daí a sua salinidade, da erosão de tristeza para uma totalidade, uma crença de que o mar é o final de todos aqueles percursos em conjunto.

Ainda desconheço onde começa e acaba o mar onde quero chegar. Nesta falta de união sinto perder a essência. E não é esse o mar que ambicionamos? Tornarmo-nos parte de algo ao qual já pertencemos, precisando apenas do trajeto para se definir. Sinto-me nevoeiro, nuvem a pairar. Como se alguém dissesse: nuvem, deixa de existir. Cria rio, cria mar.  

Sei de onde venho e, quando me dou espaço, ganho o caudal do instinto que me pede para seguir a descer por gravidade e romper os obstáculos com a vontade de existir com esse sentido, o de encontrar. O mar é para onde quero ir. Como nunca o vi, mas porque nasceu comigo, sinto-o e imagino-o. Criei vários oceanos na minha cabeça. Cada um mais repleto de seres por descobrir.

Disseram-me que faz bem às vias nasais, inspirar a água do mar para limpar. E às feridas, ajuda a sarar. Já nadar faz bem ao mar, põe-no a mexer com o nosso corpo. É algo que nasceu comigo, acredito. Estar lá a banhar-me nas águas salgadas, que não se podiam beber.

Lembro-me de um primeiro mergulho em onda, na areia. Foi como atravessar de cabeça um muro líquido que se formou à minha frente. Há pouca fluidez e beleza num ser humano a mergulhar, mas não consigo simplesmente dobrar as pernas e submergir. São coisas diferentes. Sempre que lá estou, preciso de mergulhar e saltaricar nas ondas das marés imprevisíveis das praias com a nortada como bússola.

Foi nestas praias que aprendi a brincar na água, de costas para a praia, a contar o próximo mergulho e banho de espuma branca de onda. Nunca experimentei flutuar durante muito tempo, o sabor da inesperada água a cortar-me a respiração tirava-me um dos sentidos que procurava manter. Adoro o silêncio que o oceano permite. Por fora é um tremular eterno, balançando ao longo dos fundos; por dentro um silêncio de jardim de introspeção que se rega com as correntes.