Opinião

“Já não quero cuidar dessas feridas. Quero proteger apenas os dedos cortados pelas aparas de alumínio e as mãos arranhadas pelo arame”

12 jan 2023 16:30

Através de um exercício de diálogo interior/exterior, luz e sombra em constante desafio com quem observa, Asawa começa a tecer as esculturas de grandes dimensões que a iriam distinguir

Ruth Asawa (1926-2013) nasceu na Califórnia. Filha de agricultores japoneses radicados nos EUA conheceu desde cedo a pobreza e a discriminação. Quarta filha dos sete descendentes da família, Ruth ajudava na dura rotina da quinta. Discreta e resiliente, aproveitava as viagens do pai até ao mercado para observar as imagens do meio que a rodeava - a espiral da concha de um caracol, a luz através das asas de uma libélula, os padrões gerados pelas suas pegadas.

Começava assim a germinar o projecto artístico que marcaria o seu lugar na história da arte do século XX – materializar tridimensionalmente aquilo que via. Este quotidiano seria interrompido em 1941 após o bombardeamento de Pearl Harbor.

Alvo de um forte preconceito racial, Ruth é conduzida para um dos campos de concentração onde durante a II Guerra Mundial ficou encarcerada a comunidade nipo-americana a viver nos EUA. Ali conhece três artistas da Walt Disney que, identificando o seu talento, a ensinam a desenhar.

Na Primavera de 1943 é libertada e enviada para uma escola com a promessa de poder vir a tornar-se professora de arte. A meio do percurso, Asawa é informada de que a sua ascendência nipónica impede a emissão do diploma e o exercício da profissão.

Finda a guerra, e com a ajuda de amigos, ingressa na Black Mountain College, uma escola de vanguarda coordenada pelos artistas Josef e Annie Albers. Com Josef, com quem desenvolve uma relação de profunda amizade, Asawa floresce artisticamente e aprende o rigor, a economia dos materiais e a disciplina das mãos e da mente.

Em 1947, numa viagem de estudo ao México contacta com a tradição local de produção de cestos metálicos e descobre o meio através do qual irá expressar-se. As potencialidades do fio de metal, que fecha sem bloquear e confere tridimensionalidade às formas orgânicas que germinam na sua mente, consubstanciam finalmente aquilo que imaginava desde a sua infância.

Através de um exercício de diálogo interior/exterior, luz e sombra em constante desafio com quem observa, Asawa começa a tecer as esculturas de grandes dimensões que a iriam distinguir. Segura das suas opções, e com o apoio do marido, o arquitecto Albert Lanier, a carreira de Ruth segue, contudo, um caminho artístico pouco convencional. Casa, tem 6 filhos, vê a sua obra frequentemente classificada como artesanato e faz da sua vida familiar uma extensão das suas esculturas.

O seu atelier é a sua própria casa, a criação das suas obras convive com a rotina filial e com o envolvimento na defesa da educação artística para a formação de indivíduos livres e responsáveis. Conhece, entretanto, uma das mais relevantes fotógrafas do século XX, Imogen Cunningham, que se apaixona pelo seu trabalho e a incentiva a afirmar a sua voz.

Cunningham fotografa Asawa em interacção com as suas esculturas numa série de imagens belíssimas que a projecta e desencadeia uma série de convites para criar obras de arte públicas. Já com a sua obra integrada nas colecções dos mais importantes museus de arte contemporânea, Ruth Asawa vê a sua obra consagrada em vida e os seus projectos de educação pela arte reconhecidos.

Numa das raras entrevistas em que abordou a discriminação de que foi alvo, Asawa afirmaria: “Não sinto hostilidade pelo que aconteceu; Não culpo ninguém. Por vezes, o bem nasce da adversidade. Não seria quem sou hoje se não tivesse passado pelo que passei, e gosto de quem sou.”