Sociedade

Teresa Paiva, neurologista: “Na civilização actual, as pessoas acham que não há limites”

15 abr 2016 00:00

Directora do Centro de Electroencefalograma e Neurofisiologia clínica e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

teresa-paiva-neurologista-na-civilizacao-actual-as-pessoas-acham-que-nao-ha-limites-3756

O que está na origem da generalidade dos problemas de sono?
O estilo de vida das pessoas e o facto de não tratarem bem o sono. Na civilização actual, as pessoas acham que não há limites. E isso é um erro. As provas físicas exigem que se ultrapassem os limites. Mas as coisas têm limites. Fazer muito exercício, trabalhar muito, ter muitas coisas para fazer, nunca parar, são apelos à inexistência de limites. E por isso é que as pessoas não dormem.
Quais são as patologias mais comuns associadas ao sono?
Insónias, privação de sono, pernas inquietas e apneia do sono. Por esta ordem de frequência.
Qual é a taxa de sucesso na resolução desses problemas?
Nas apneias do sono 99%, nas pernas inquietas 95%, e nas insónias, se calhar, 85%. As taxas de sucesso variam com o diagnóstico. No síndrome de atraso da fase é de 50%. É muito mais baixo. Por isso, é uma situação muito mais grave.
Qual a sua opinião sobre o uso de fármacos?
Os fármacos têm de ser ajustados. Actualmente, há duas tendências. Uma é para usar benzodiazepinas, outra é para usar anti-psicóticos. Não sei o que é melhor ou se são as duas más. Actualmente, tanto as benzodiazepinas, que eram dadas em doses muito altas, como os anti-psicóticos, que começam a ser dados em doses muito altas, são coisas a ter em conta como preocupações.
Esse tipo de substâncias, habitualmente, é prescrito por médicos especialistas ou médicos de família?
As benzodiazepinas são prescritas por qualquer médico. Os anti-psicóticos são prescritos pelos psiquiatras. Actualmente, o seu uso está a ficar generalizado.
Era importante dar mais formação aos médicos de família, tendo em conta que há muita gente que não pode recorrer a especialistas?
Pomos tudo para cima dos médicos de família. Os médicos de família estão numa posição difícil porque têm de tratar de tudo. Têm de tratar a diabetes, têm de tratar da tensão, têm de tratar disto e daquilo. Tratarem de todas as doenças do sono não é adequado. Podem tratar de coisas ligeiras, mas coisas mais complexas não me parece que se lhes possa pedir, a não ser numa fase inicial.
Há muitas pessoas com problemas de sono não diagnosticados?
Há imensas. Pernas inquietas, narcolepsias [sonolência excessiva durante o dia] , apneias, insónias e outros problemas que nunca curam ou que começam a ser tratadas muito tardiamente.
Que consequências é que dormir mal de noite pode ter a nível académico e a nível profissional?
Na escola, há uma baixa de rendimento. A nível profissional, há um aumento das baixas, absentismo e presenteísmo, que significa estar presente mas não estar lá. O presenteísmo é comum nas pessoas com insónias.
Identificou, pelo menos, um caso de narcolepsia num piloto de avião. Como é que isso é possível?
Quando fiz o diagnóstico, aconselhei-o a pedir a reforma. Há tratamento, mas o risco é enorme. Esta pessoa pode ter um ataque de cataplexia [ficar sem forças e cair no chão sem perder os sentidos] no avião. Não é uma doença compatível com determinado tipo de actividades.
Os exames a que os pilotos são submetidos no processo de recrutamento não são rigorosos?
São feitos os exames adequados a cada época. Temos tendência para culpar sempre os outros de qualquer coisa. Agora, é evidente que em todas as situações há sempre possibilidade de falhar as malhas diagnósticas. Os pilotos têm critérios de observação e de diagnóstico muito apertados.
De que forma é que se pode diminuir o impacto negativo do trabalho por turnos no sono?
O grande problema das nossas empresas é que não têm tido uma atitude inteligente. Os turnos têm de continuar a existir. Agora, quer o trabalhador – porque há pessoas com mais capacidade do que outras para fazer trabalhos por turnos – quer a organização dos próprios turnos têm de ser optimizados. Trabalhar em locais com paredes escuras e sem luz faz mal à saúde.
E no que diz respeito aos profissionais de saúde?
Não há nenhum médico ou enfermeiro que possa deixar de fazer turnos. O problema é a organização do trabalho. Todos os turnos podem ser optimizados. Os médicos fazem turnos de 12 ou 24 horas, estes muito mais questionáveis, mas quando são de 12 horas, acontecem apenas uma ou duas vezes por semana. É um bocadinho diferente dos trabalhadores de uma fábrica, que fazem turnos de 
manhã, de tarde, de noite. Esses turnos são muito mais lesivos. Tem de se preparar a organização melhor para proteger o trabalhador e o empregador.
É possível ter qualidade de vida a dormir poucas horas por noite?
Cinco a 10% das pessoas são short sleepers. Dormem pouco. E há pessoas que não são short sleeperse que, a prazo, vão ter consequências muito negativas na saúde, na actividade cognitiva. Depende das características biológicas de cada um. A Madonna é um short sleepere Einstein era um long sleeper. As pessoas têm necessidade de sono diferentes.
Uma pessoa com problemas de sono pode ser confundida com uma pessoa mal-humorada?
Pode. Nas crianças isso é muito comum. As crianças, muitas vezes, são hiperactivas porque dormem pouco. A privação de sono são as chamadas birras que aumentam o mau humor. Nos adultos é a mesma coisa. Cria uma irritabilidade à flor da pele.

É favorável à administração de químicos a crianças com problemas de sono?
Não. Se as crianças tiverem uma doença cromossómica, uma doença grave, precisam de vários químicos. Mas uma criança saudável não deve tomar remédios, a não ser em casos ultra-excepcionais e nunca por muito tempo.

Perfil “Sonhos são mecanismos de aprendizagem” 
Natural de Lisboa, Teresa Paiva, 70 anos, é licenciada e doutorada em Medicina. Especialista em Neurologia, o seu interesse pelo sono levou-a a dedicar-se a esta área há mais de 20 anos. Trabalhou no Hospital de Santa Maria e é directora do Centro de Electroencefalograma e Neurofisiologia Clínica desde 1983. Autora e co-autora de diversas obras relacionadas com o sono, colabora regularmente em ensaios clínicos com especialistas de todo o mundo e tem diversos trabalhos premiados. A professora da Faculdade de Medicina de Lisboa e do Instituto Superior Técnico esteve, na semana passada, a dar uma palestra em Figueiró dos Vinhos, onde explicou que “os sonhos são mecanismos de aprendizagem em ambiente virtual e seguro”. ...

 

Leia mais na edição impressa ou torne-se assinante para aceder à versão digitalintegral deste artigo