Sociedade

Portugal ainda surpreende: descoberta borboleta inédita no coração de Pombal

3 dez 2025 12:22

Um achado à sombra de um incêndio

Descoberta inédita no concelho de Pombal
Descoberta inédita no concelho de Pombal
DR
Descoberta inédita no concelho de Pombal
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Descoberta inédita no concelho de Pombal
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Uma espécie de borboleta até agora desconhecida para a ciência foi identificada no concelho de Pombal, revelando como o património natural português continua longe de estar integralmente cartografado, mesmo em zonas sujeitas a intensa pressão humana e a sucessivos episódios de perturbação ambiental.

A espécie, designada Monochroa monellii, foi descrita num artigo científico assinado pelos investigadores Martin Corley, Jorge Rosete e Sónia Ferreira.

O trabalho resulta de cinco anos de recolha sistemática de dados e, segundo Jorge Rosete, responsável pela descoberta, “sinaliza a necessidade de reforçar a monitorização da biodiversidade nativa, em particular no que respeita ao grupo dos insectos”.

O diminuto lepidóptero, com apenas oito a dez milímetros, foi identificado nas imediações da Lagoa de São José, na freguesia do Carriço, em plena Mata Nacional do Urso.

Esta é uma área que foi severamente afectada pelo incêndio que devastou as matas litorais da região de Leiria, a 15 de Outubro de 2017.

Ainda assim, alguns hectares de vegetação sobreviveram, mantendo nichos ecológicos que continuam a albergar fauna e flora pouco estudadas.

A identificação da nova espécie foi possível graças à utilização de armadilhas luminosas durante a noite instaladas entre 2020 e 2024.

Os espécimes recolhidos foram posteriormente analisados no CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, onde a conjugação de características morfológicas e de códigos de barras de ADN permitiu confirmar tratar-se de um organismo biologicamente distinto de outras espécies próximas.

Descrita como discreta, de coloração pouco vistosa, a Monochroa monellii durante o dia abriga-se sob a vegetação rasteira, ocultando-se rapidamente quando perturbada.

A planta azul que revelou o enigma

O nome da nova espécie remete para o morrião-das-areias (Anagallis monelli L.), planta que coloniza solos arenosos do litoral e que produz pequenas flores de azul intenso. Só após trabalhos de campo se conseguiu estabelecer a ligação ecológica entre o insecto e esta planta hospedeira.

Embora não tenham sido encontradas larvas nas folhas, vários exemplares recolhidos apresentavam minúsculos túneis de seda junto ao caule, na zona radicular.

No interior, os investigadores identificaram pupas que, após emergência, revelaram pertencer à borboleta. A confirmação genética consolidou a descoberta.

A ampla distribuição do morrião-das-areias, espécie não ameaçada, sugere que a borboleta agora descrita poderá ocorrer noutros pontos da faixa costeira portuguesa.

Contudo, os autores alertam para o impacto crescente de empreendimentos urbanísticos no litoral, cuja expansão poderá comprometer habitats sensíveis e ainda insuficientemente mapeados.

Entre a prevenção de incêndios e o risco para os ecossistemas

Os investigadores, em comunicado, referem que após os grandes incêndios da última década, a legislação e em particular o Decreto-Lei n.º 82/2021 e o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, reforçou medidas de controlo de combustível vegetal, incluindo intervenções profundas nas chamadas faixas de gestão de combustível.

"Estas operações, cada vez mais frequentes, traduzem-se muitas vezes numa raspagem intensa do solo e remoção de vegetação arbustiva."

Segundo os investigadores, tal prática pode pôr em causa a integridade de micro-habitats essenciais à persistência de espécies discretas, como a Monochroa monellii, e comprometer a regeneração natural do coberto herbáceo e arbustivo.

A descoberta, sublinham, deveria servir de alerta para a necessidade de ponderar os impactos ecológicos das intervenções florestais, sobretudo em áreas consideradas “incultas” e por isso frequentemente desvalorizadas face a zonas com maior interesse económico.