Sociedade

Perito impressionado com “a violência, a força da deslocação de ar” que, “fez com que as árvores fossem arrancadas”

11 out 2021 15:04

Eucalipto e o pinheiro “altamente inflamáveis”, justificam “dimensão e o caráter explosivo” do fogo de Pedrógão Grande

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Espécies utilizadas para coberto vegetal e desordenamento do território podem ter sido cruciais para as mortes de 2017
Jornal de Leiria/Arquivo
Redacção/Agência Lusa

O perito da Comissão Técnica Independente (CTI) que avaliou os incêndios na Região Centro em Junho de 2017, Francisco Castro Rego, destacou hoje o “carácter explosivo” dos fogos de Pedrógão Grande.

“Grande parte do incêndio foi fogo de superfície bastante intenso e depois teve um cará ter explosivo. E esse cará ter explosivo e de grande intensidade é que é muito fora dos padrões normais que nós tínhamos conhecimento sobre o comportamento do fogo”, afirmou no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje prosseguiu o julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais dos incêndios de Pedrógão Grande.

Em julgamento estão 11 arguidos e em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, tendo o Ministério Público (MP) contabilizado 63 mortos. Quarenta e quatro feridos quiseram procedimento criminal

Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.

Os presidentes das Câmaras de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respectivamente, também foram acusados.

O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.

Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas eléctricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.

Segundo o MP, em 17 de Junho de 2017, às 14:38 horas, deflagrou um incêndio no Vale da Ribeira de Frades (Escalos Fundeiros), concelho de Pedrógão Grande, desencadeado por uma descarga eléctrica de causa não apurada, com origem na linha eléctrica de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da então EDP Distribuição.

Ainda nesse dia, cerca das 16 horas, “deflagrou um incêndio em Regadas [Pedrógão Grande]”, desencadeado igualmente “por uma descarga eléctrica de causa não apurada” com origem na mesma linha de média tensão, sendo que a zona inicial deste fogo apresentava semelhanças com a primeira.

Referindo-se ao foco de Escalos Fundeiros, Francisco Castro Rego considerou verosímil e plausível que “um raio terá provocado a descarga eléctrica na linha” eléctrica e, “indirectamente, a linha esteve no processo inicial” do incêndio.

Por outro lado, o professor universitário aposentado, que foi presidente do Observatório Técnico Independente para análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais que ocorreram no País, sustentou que “era mais ou menos evidente que não havia manutenção da faixa [de gestão de combustível] com as exigências legais que seriam normais”.

Frisando, contudo, que a ausência de gestão de combustível não era total, Francisco Castro Rego disse que “por baixo da linha [elétrica] não havia eucaliptos de grande dimensão”, para ressalvar que as árvores “estavam na proximidade”.

Sobre o segundo foco de incêndio, em Regadas, Francisco Castro Rego assumiu ter menos presente este e salientou que “houve falta de gestão de combustível nas faixas de dez metros à volta da estrada”, embora “os dois primeiros metros teriam sido tratados”.

No depoimento, a testemunha adiantou que aquilo que o impressionou, além da morte das pessoas, foi, do ponto de vista do comportamento do fogo, “a violência, a força da deslocação de ar” que, “em várias zonas, fez com que as árvores fossem arrancadas”.

Quanto ao combate aos incêndios, reconheceu surpresa “com a falta de pré-posicionamento de meios”, pois “havia condições de meteorologia suficientes para justificar que o dispositivo [de combate a incêndios] pudesse ter sido antecipado”.

Confrontado recorrentemente com o relatório da CTI, o perito defendeu que a comissão constatou que “podiam ter sido mobilizados meios mais significativos na primeira fase do combate”, apontando uma “certa rigidez na mobilização dos meios” e especificando depois com os meios aéreos.

“Justificava-se, naquelas condições, que tivessem sido mobilizados mais cedo para tentar evitar a progressão”, mas “não terá havido consciência de que aquele incêndio tinha aquele potencial de progressão”, defendeu.

A este propósito, acrescentou que “passado um quarto de hora, 20 minutos, o incêndio tinha ultrapassado a capacidade de extinção por meios terrestres”.

O perito da Comissão Técnica Independente referiu-se ainda às espécies de árvores preponderantes no concelho de Pedrógão Grande, apontando o eucalipto e o pinheiro “altamente inflamáveis”, o que justifica, também, a “dimensão e o carácter explosivo”.

Questionado se era possível ao comandante Augusto Arnaut com a informação e meios de que dispunha fazer uma previsão atempada para cortar a Estrada Nacional 236-1, onde foi encontrada a maioria das vítimas mortais, ou as manobras de evacuação das povoações, Francisco Castro Rego respondeu: “essa previsão específica não”.