Entrevista

Entrevista| Vítor Poças: "Há um negócio à volta dos incêndios"

25 jan 2018 00:00

Na questão dos fogos, falha a prevenção e a penalização, defende o presidente da Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal

Raquel de Sousa Silva

Três meses após o incêndio do Pinhal de Leiria e seis depois do de Pedrogão Grande, as empresas de madeira e mobiliário já sentem dificuldade de obtenção de matéria prima?
Os incêndios foram a pior notícia para o sector, sobretudo do ponto de vista humano, devido às mortes que aconteceram, e que a AIMMP lamenta profundamente. É pena que a floresta tenha começado a ser vista de outra forma porque morreram pessoas. É inadmissível que isso aconteça. Andamos há 30 anos a queimar a floresta e não fazemos nada. No curto prazo, dada a quantidade de madeira que ardeu, quer na mata privada quer na pública, vamos ter matéria-prima para dois anos, não obstante ser madeira queimada, de pior qualidade, o que nos obriga a ter custos de armazenamento. A má notícia é o day after. Aí é que vai ser a tragédia. Muitas pessoas andam a assobiar para o ar, ainda não se aperceberam que as coisas são ser muito duras. Não fizeram contas para perceber que o sector pode consumir 1,6 milhões de toneladas por ano e que vamos ter nos próximos anos um défice brutal de madeira de pinho.

O que coloca em risco a sobrevivência de muitas empresas…
Não vendemos aquilo que não temos. Para vendermos produtos derivados da floresta, precisamos de ter matéria-prima. Se ela escassear, vamos ter de a importar. Isso significa que vamos perder competitividade, porque a madeira viaja mal, são grandes volumes mas pouco valor, e o custo de transporte é elevado. Vai ter de haver inovação, desenvolvimento, criação de valor acrescentado, nomeadamente com utilização de outro tipo de materiais que não a madeira na fabricação de mobiliário. Também haverá mais fabricação de painéis com maior incorporação de eucalipto, porque este se tornou a árvore mais popular em Portugal.

Prevê a perda de milhares postos de trabalho nos próximos anos…
É difícil quantificar de uma forma exacta [quantos empregos se perderão], mas de uma coisa tenho a certeza: quando aumentam as dificuldades de operação das indústrias, as micro empresas têm mais dificuldade em vingar. Como sabemos, são estas as que mais fixam emprego, e sobretudo nas zonas do interior. As grandes empresas vão ter tendência a ser mais automatizadas, a ter uma produtividade mais forte. Mas as pequenas tornam-se menos competitivas e é aí que vamos ter uma grande perda de emprego. Se estamos a depauperar as condições de operação das empresas, vamos assistir seguramente a uma redução do número de pessoas necessárias para trabalhar. Mesmo antes destes incêndios, que foram um grande cataclismo para a floresta e para as indústrias que dela dependem, já havia tendência para o aumento da dimensão das empresas, da mecanização e alguma redução do número de efectivos.

Todos os anos ardem centenas, senão milhares, de hectares de floresta. Quem ganha com os fogos?
Em Economia há um princípio que é a chamada lei da soma nula: aquilo que um ganha é exactamente igual àquilo que outro perde. Se efectivamente há lesados, há-de haver alguém que é beneficiado. Que fique claro que o facto de eu dizer que há entidades, ou organismos ou pessoas, que ganham com isto não significa que esteja a afirmar que quem ganha é a pessoa que põe o incêndio. Ou seja, não estou a dizer que há uma relação de causa-efeito entre quem ganha e o incêndio que ocorreu. Há uma expressão usada pelos cangalheiros que é ilustrativa: 'não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra'. De uma coisa tenho a certeza: 75% das ignições são de origem dolosa, 24% poderão ser negligência, que não deixa de ser crime, e 1% devem-se a causas naturais. Entre as dolosas, há uma panóplia tão grande de motivos pelos quais uma pessoa chega um incêndio que se torna muito difícil abordar este assunto de uma forma séria. Quando quem actua de forma dolosa sabe o que está a fazer, escolhe o dia, a hora, o vento, para que realmente seja muito difícil combater o incêndio. E é no mínimo muito estranho que 40% das ignições que ocorrem em Portugal aconteçam depois da hora a que os aviões de combate podem levantar. Há muitas ignições à meia-noite, à uma da manhã. A essa hora não é calor, nem piquenique, nem pessoas a fumar na floresta…Enquanto cidadão, tenho o direito de querer saber quem comete o crime de incêndio.

Há falhas na fiscalização, na prevenção, na penalização?
Falha tudo isso. O crime de incêndio é muito difícil de provar, porque as provas ficam destruídas. É muito difícil provar que foi A ou B que colocou o incêndio. Por outro lado, sabemos que alguns incêndios são colocados por via aérea. Se são os aviões de combate que os colocam? Não digo isso, mas digo que há incêndios que são colocados por via aérea. Se são as empresas de combate que os colocam não sei. Mas há pessoas que colocam incêndios por via aérea, há filmes disso. E sabe-se que muitos focos de incêndios nascem em zonas praticamente inacessíveis a não ser por via aérea.

Está a dizer que há todo um negócio à volta dos incêndios?
Há. Há um negócio à volta dos incêndios. Perguntou há pouco quem ganha com isto. Ganha por exemplo muita gente que vende equipamento de combate aos incêndios. Friso, mais uma vez, que não estou a dizer que são essas pessoas que pegam os incêndios. Quem ganha com os incêndios não é necessariamente quem os coloca. Pode ser ou pode não ser. Se os incêndios têm destruído fundamentalmente área de pinheiro, e se a área de eucalipto tem crescido, é perfeitamente legítimo que eu diga que uma das espécies que têm ganho com os incêndios é o eucalipto. Mas não estou a dizer que são as empresas de celulose que chegam os incêndios. Mas se me pergunta quem ganha com os fogos, digo que ganha quem combate, ganha quem vende equipamentos, ganha o eucalipto. Há outros que, não ganhando nada, colocam incêndios como vingança ou devido a perturbaçã

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