Entrevista

Entrevista | Jorge Bajouco: “Um aluno vale muito mais do que o dia do exame”

7 mar 2019 00:00

Director do Agrupamento de Escolas da Maceira defende que a escola tem de tratar todos por igual, mesmo os alunos com maiores dificuldades

A Maceira tem-se destacado nosrankings nacionais. A responsabilidade é dos alunos, dos professores ou de ambos?
De todos. É uma organização que vale pelo seu conjunto. Mas destacava primeiro os alunos. É um trabalho de cariz muito humanista, de ligação à comunidade, que tem feito valer estes resultados. Nos rankings põe-se muito a tónica no secundário, mas destaco os resultados do 9.º ano, que há cinco anos nos colocam acima da média nacional. Somos agrupamento há 20 anos e o trabalho articulado tem tido um grande valor, traduzido em resultados académicos, mas com muitas outras componentes que são fundamentais. Também tenho de destacar o grande trabalho dos meus colegas, profissionais de 'longa juventude' e de outros técnicos, que têm contribuído para ajudar os jovens a ultrapassar as suas dificuldades e limitações. A maioria dos profissionais estão aqui há cerca de 30 anos. A Maceira era uma escola de passagem, de subúrbio, e fixou os professores, que fizeram uma aposta neste projecto. Tudo isto contribuiu para termos uma população homogénea, estável e com bons desempenhos, não só académicos como a nível desportivo, social e cultural. Temos tido jovens bem formados, que é aquilo que mais gosto de salientar. Mais importante que os rankings, tenho de destacar o prazer que me dá ter alunos premiados com bolsas de mérito ou com as bolsas +Indústria atribuídas pelo Instituto Politécnico de Leiria. Não gosto de ser indiferente a uma comunidade educativa que nos acompanha: a comunidade da Maceira e os seus responsáveis, sem esquecer a ligação ao concelho. Leiria tem um projecto educativo municipal e não tem sentido falar de uma escola isolada na Maceira. Também partilhamos as coisas boas de cada uma das escolas à volta, como a da Batalha e a Calazans Duarte, na Marinha Grande. Ao longo dos anos, temos tido autarcas disponíveis e sensíveis à causa da educação, que nos dão o essencial.

Concorda com os rankings?
Se há algum efeito positivo que possam ter é promover o diagnóstico e uma reflexão atenta. Quando são tratados da forma negativa - a pior escola – é altamente prejudicial. Isso não traduz o tanto trabalho que se faz numa escola e, sobretudo quando se fala numa escola pública, a diversidade cultural, o tipo de alunos, a sua proveniência sócio-económica e as limitações. A escola pública tem de tratar todos por igual.

Que mais-valias trazem os bons resultados?
Não nego que o nosso ego fica reforçado. Preferia que a escola não tivesse estes holofotes em cima porque também é perturbador e traz-nos mais responsabilidades. Foi muito salutar ter mantido esta posição cimeira e estar acima da média no 9.º ano há mais de cinco anos. Os efeitos são sempre positivos, mas sabemos que se numa próxima amostragem as coisas não correrem bem vão questionar: o que é que aconteceu para haver esta queda. Isto também tem a ver com uma geração de alunos. O secundário nasceu na Maceira, porque Leiria estava sobrelotada e foi uma oportunidade para ganharmos mais espaços físicos. Alguns alunos preferem os grandes centros, escolas como a Rodrigues Lobo e a Domingos Sequeira, que se notabilizaram, e tivemos que rivalizar com elas, criando uma imagem para nós. Jamais quero aqui alunos obrigados. Têm bons resultados, mas instalações que há muito carecem de obras. A componente mais frágil diria que é o parque escolar. Mas temos que nos agarrar àquilo que nos pode dar mais capital de confiança: a dimensão humana que aqui trabalha e a sua comunidade. Sendo escola de subúrbio partimos sempre um bocadinho atrás e há argumentos que não conseguimos ter. Tenho uma associação de pais que nos ajuda imenso nas componentes de apoio à família e nas refeições, o que nos dá uma tranquilidade muito grande. Todos trabalhamos para o lema de ter a camisola da Maceira vestida para termos boas pessoas e com bons resultados. As escolas com esta tipologia nasceram nos anos 80. São funcionais, mas têm fragilidades enormes ao nível da sala de aula, com portas e janelas em enorme envidraçado. Não temos um auditório, nem tínhamos telheiros de ligação entre blocos.

Ser um agrupamento mais pequeno facilita os bons resultados?
Sim. Nas escolas mais pequenas pode-se fazer um trabalho mais directo e personalizado e um trabalho de articulação e colaboração mais rentável. Conhecemos melhor os alunos e as suas dificuldades. Permite também um processo ensino-aprendizagem mais tranquilo e com mais valor. Por princípio, não sou favorável aos exames. O mais correcto é a avaliação contínua. Face ao acesso ao ensino superior e ao facto de haver ensino privado e público tem de haver procedimentos uniformes, mas já se questiona um pouco se o acesso ao ensino superior não poderá ser diferente.

O reitor da Universidade Nova, João Sàágua, defendeu que as universidades deviam ter uma quota de vagas para poderem selecionar alunos através de provas locais, de entrevistas pessoais ou apresentação de portfólios. Concorda?
Sem dúvida. Nunca fui apologista dos exames. Via os exames como um mal necessário, para criar alguns parâmetros de universalidade. Não consigo dizer: fim dos exames. Mas a minha experiência faz-me assumir que um aluno vale muito mais do que o dia do exame. Se calhar o acesso ao ensino superior tem de ser visto de outra maneira. Há países onde se fazem entrevistas e se avaliam, para além dos seus conhecimentos, outras competências que determinadas profissões exigem.

Com a escolaridade obrigatória até aos 18 anos, o sistema educativo passou a ter alunos que preferiam estar a trabalhar. Que desafios trouxe?
Como ser escola para todos? O grande desafio é trabalhar com os alunos que têm problemas do ponto de vista social, pessoal, relacional e até da sua saúde. Como é que esse aluno está dentro da sala de aula? Há dez anos falava- se muito da gestão flexível do currículo; houve o estudo acompanhado, a área de projecto e nós fomos pioneiros nessa realidade que tem um pouco a ver com esta escola diferente que se pretende para responder a todos. Aos anos que andamos a tentar encontrar caminhos. Vêm decretos-lei... mas a escola não se muda com decretos. Muda-se com as pessoas e com quem está. Os alunos é que nos vão obrigar a ser uma escola diferente. Os Cursos de Educação e Formação (CEF) e os projectos curriculares alternativos foram formatos que a escola foi reivindicando face aos alunos que tem. Os rankings desses alunos é que são muito difíceis. Um aluno desses representa uma energia muito grande numa escola. Passamos muitas horas do nosso dia a falar com a Segurança Social, com a comissão de menores, com o tribunal e com os sistemas de saúde para encontrar uma solução. As tecnologias, a nova empregabilidade, os novos apelos sociais trazem muito desses alunos e, claro, a escolaridade obrigatória até aos 18 anos tornou mais visível essa situação. No meu tempo esses alunos estariam a trabalhar. Há dias em que ficamos emocionalmente perturbados. Como é que a escol

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