Opinião

Uma pedra ao pescoço

4 set 2018 00:00

Em Mateus 18:1-14, atribui-se a Jesus Cristo uma frase que diz, mais ou menos, isto a respeito dos violadores de crianças de fé: “seria melhor que lhes atassem uma pedra de um moinho ao pescoço e os afogassem no mais profundo dos mares".

A revista Sábado, na última edição, escolhe como umas das frases da semana, uma citação do Padre Anselmo Borges: “não há uma ligação directa entre celibato e pedofilia, mas há claras ligações entre uma sexualidade distorcida e esta perturbação.”

Finalmente, no Expresso, recorda-se a frase do bispo da Guarda que defende que o padre Luís Mendes (prisão efectiva de dez anos por abusos a seis crianças) “não tinha de pedir, nem deixar de pedir desculpa ou perdão” aos alunos abusados. Afinal, o processo ainda não tinha sido transitado em julgado, apesar da confirmação posterior da pena pelo Supremo Tribunal e das directrizes da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) referir nas suas directrizes a necessidade do pedido de perdão à vítimas ser claro.

Francisco começou por chamar caluniadores às vitimas chilenas dos padres Karadima e Madrid, tendo recusado recebê-los na sua visita ao país, mudando a mão depois, no conforto de Roma. Na Irlanda, mostrou-se mal preparado, apesar da fotografia com o querubim ruivo, desconhecendo factos e não tendo respostas para as perguntas das vítimas e dos seus familiares. Chamou para junto de si, para a Cúria, dois cardeais acusados de abusos sexuais. Estes, McCarrick (EUA) e Pell (Austrália) gozam agora de uma oficial e canónica licença de funções.

Na Bíblia a tendência para descrever um molestador de crianças é a definição deste ser abjecto como alguém sem afecto (Romanos 1:31, Timóteo 3;2), inumano, incapaz do amor e da vida em  sociedade. Ao contrário dos seus parceiros seculares, que vivem nas casas ao nosso lado, sem ser dar por eles, os padres abusadores vivem dentro da protecção e cumplicidade do Vaticano, dentro das paredes das casas de Deus, espalhadas por todo o Mundo. 

À sombra fresca dos seus dogmas canónicos e da utilização abusiva da separação entre Estado e Igreja que funciona num só sentido: alguns Estados prestam contas à Igreja, tal como nos tempos dos reis (remember Guterres); outros, nem por isso. Só a Igreja não presta contas a ninguém e os seus pedófilos são os únicos no Mundo que se safam às leis, felizmente cada mais opressivas, contra este flagelo, mas que vão batendo no fundo do poço oco da libertinagem dos representantes de Deus que molestam as suas vitimas, em nome do medo e da fé.

Pode ser até verdade que o celibato não tenha como consequência directa a pedofilia (não nos vamos esquecer dos adultos também abusados pela autoridade dos padres, mulheres em especial, mas, para já, essas contas estão tristemente longe de estarem feitas). Mas, qualquer sexólogo concordará que a tal da “sexualidade distorcida” é, na sua base, uma sexualidade frustrada, não conseguida ou não permitida. Porém, lá está, também a ciência não é para aqui chamada no jogo do empata de padres e cardeais. 

Não restam dúvidas de que, para o bispo da Guarda, os padres são pessoas melhores do que as outras. A católica humildade. Tão boas que não têm de pedir o perdão que exigem, em todas as homilias, aos fiéis pelos seus pecadilhos e negociatas para levar a vida adiante, já que, nem todos, bebemos e comemos na sala de Deus. O padre só responde perante Deus. Só Ele o pode julgar. E quem será o Deus que o escuta?

O Bom e Justo? Ou a canalha de Homens aos quais passou procuração?

Quanto à Justiça dos Homens, designada para proteger, entre outras coisas, a liberdade religiosa e de expressão, ela não é para aqui chamada. Pelo contrário, longe da vista, longe do coração e é assim, pelo “exílio” e pela brincadeira levezinha da suspensão de funções que se tem resolvido as coisas dentro da Igreja Católica.

Como Francisco tem uma dimensão humana e sofre com os abusos da sua Igreja, querem agora, talvez, substitui-lo e pontificar outro Homem Santo, que alinhe mais nos vibes sexuais do Catolicismo e que defenda, com unhas, dentes e mirra, os dogmas e a santidade a toda a prova dos seus padres, mesmo que não consigam manter as suas mãos quietas e os seus pénis dentro das batinas.

Por mim, que não sou católico, tanto me faz se Francisco ou outro é o testa-de-ferro do Vaticano podre, corrupto, pedófilo, tarado, encoberto e incapaz da sua missão social, porque trata os fiéis como se tratava os escravos: perna aberta, trabalho duro e rendimento. Se o Vaticano caísse e com ele o Catolicismo, para mim, seria sinal de progresso. A fé das pessoas dirigir-se-ia para outras coisas, talvez menos medievais e actualmente luminosas.

Como isso não vai acontecer, reflictam nas frases que aqui vos deixei, logo no inicio da peça. Pensem se a Igreja tem feito mesmo alguma coisa que não maquilhagem na resolução de um problema público e de um trauma como nenhum outro. Arrisquem a considerar que o fim do celibato (e da repressão da sexualidade) e a implementação do sacerdócio feminino, podiam ser medidas sérias e demonstrativas de uma vontade significativa de punir os pedófilos católicos.

Esta não é a minha Igreja, há muitos anos. Apesar disso, a vítima - as vítimas - poderiam ser o meu filho, o meu sobrinho, o vosso filho, o vosso sobrinho, o vosso afilhado, o colega de escola dos nossos filhos, a vítima, as vítimas deste saque clerical que esfaqueia a alma e a deixa a sangrar num canto de sacristia.

Já que a “Constituição” dos Católicos é a Bíblia e o seu Novo Testamento, já que tantos crimes se cometeram e cometem em nome de um mero livro, voltemos ao início do artigo, às palavras de Mateus. Por uma vez, confesso desejar que se fizessem as coisas exactamente como o apóstolo descreve. 

Como vem na Bíblia: uma pedra ao pescoço ou o equivalente em termos de prisão, punição e respectivo ostracismo para fora de toda a sociedade decente. 
Seja feita a sua palavra. 
Amén.

*Músico