Opinião

Querer o que não se tem

12 out 2017 00:00

É assustador verificar que em apenas quatro anos o consumo de medicamentos para a saúde mental duplicou, principalmente se tivermos em consideração que o ponto de partida era já elevado.

No fundo, o que estes dados mostram é que boa parte da população portuguesa vai vivendo amparada na muleta dos ansiolíticos e/ou dos antidepressivos, o que não pode deixar de obrigar a uma reflexão profunda sobre as causas do problema.

Muitos acusam os médicos de facilitarem na prescrição deste tipo de medicamentos, por vezes quando o paciente não apresenta mais do que um sentimento natural, como a tristeza, outras tratando apenas os sintomas, mas não indo à causa dos mesmos.

No entanto, se os médicos prescrevem, mesmo admitindo que por vezes exageradamente, é porque os pacientes os procuraram e de alguma coisa se queixaram, o que não deixa de ser indiciador de que algo não vai bem numa sociedade que vive num conforto material que dista anos-luz do de seus antepassados, não sendo sequer necessário recuar aos mais distantes.

Ou seja, parece que as grandes conquistas que a humanidade alcançou ao longo dos seus 350 mil anos de existência não têm sido acompanhadas de um ganho de felicidade e de realização pessoal. As pessoas não dão o devido valor ao muito que foi conseguido e deixam-se frustrar por questões aparentemente supérfluas.

Os dados acima referidos não serão obviamente alheios à grave crise económica e social que Portugal tem atravessado nos últimos anos, com muitas famílias a serem privadas do que é mais básico para uma vida digna.

Ainda assim, serão também muitos aqueles que se deixam abater por não conseguirem ter a vida com que sonham e que lhes é ‘vendida’ pela comunicação social, pela publicidade, pela mediatização da vida das estrelas, pelo que a sociedade valoriza e a que atribui status. Outros, conseguindo-o, têm uma vida miserável para o alcançar, abdicando de quase tudo para ganhar o suficiente para ter ‘aquele’ carro, viver ‘naquela’ casa, vestir ‘aquelas’ roupas’, ir de férias para ‘aquele’ sítio, sujeitando-se a grandes sobrecargas de trabalho, de pressão e de stress.

Como defende Gilles Lipovetsky, em A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, os desejos e as frustrações provocadas pelo hiperconsumo levaram a uma pressão tão grande sobre o Homem que conduziu à medicalização do corpo e das sensações.

No entanto, geralmente, são as coisas mais simples que são mais capazes de provocar a felicidade, como se pode ler na reportagem publicada nesta edição a propósito do Dia Mundial do Sorriso. Saúde, amigos, dinheiro para o essencial… as exigências não parecem ser muito ambiciosas para fazer sorrir e provocar felicidade.

Principalmente, diz quem já passou pela experiência, quando em determinado momento das nossas vidas fomos privados de algo verdadeiramente importante. É então que se dá valor ao que normalmente temos, mas não conseguimos ver, ofuscados que andamos por um certo imaginário sobre o que é ser feliz.

*Director do JORNAL DE LEIRIA